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Ace Combat: Ikaros in the Sky 
Unofficial Português Translation

Cenário

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Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste do Quartel General de Pesquisa Técnica

 

Oficialmente designado como ‘Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste da Divisão de Pesquisa Tecnológica Aeronáutica do Laboratório de Equipamentos Integrados do Quartel General de Pesquisa Técnica do Ministério da Defesa.’ Esta é uma organização especial dentro do Quartel General de Pesquisa Técnica do Ministério da Defesa que conduz pesquisas sobre a utilização do Caça de Suporte Avançado e embarcações de escolta aérea (basicamente um porta-helicópteros) para fortalecer as capacidades de defesa do Japão em suas águas costeiras. O grupo consiste em pessoal transferido temporariamente tanto da Força Aérea de Autodefesa do Japão Quanto da Força Marítima de Auto-Defesa do Japão.

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Sonoda

Codinome: ‘’Descente’’

Piloto de teste no ASF-X Shinden II. Detém a patente de capitão. Adjunto de Mishima, ele é a melhor fonte de informações no esquadrão.

Oose

Codinome: ‘’Wannabe’’

Piloto de teste no ASF-X Shinden II. Detém a patente de primeiro tenente. É um piloto habilidoso e um hábil programador.

Sato

Responsável pelo desenvolvimento e planejamento do ASF-X Shinden II. Detém a patente de major-brigadeiro.

Mishima

Oficial no comando do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste. Detém a patente de major.

Zaitsu

Supervisor do programa de desenvolvimento do ASF-X Shinden II. Um burocrata do Ministério de Defesa de posição equivalente a um gerente de seção.

Togura

O professor que participou no programa ‘Q-X’ de Aeronave Não-Tripulada de Reconhecimento Avançado. Ele foi desenvolveu um novo sistema de controle no Q-X.

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Kei Nagase

Codinome: ‘Edge’

 

A protagonista desta história. Sua patente é de segunda tenente. Ela é a piloto de teste do ASF-X Shinden II. Ela é a membra mais jovem do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste e é a prodígio do esquadrão e confia em seus instintos quando pilota.

 

Ela pilota caças da Força Aérea de Autodefesa do Japão e é uma integrante importante do esquadrão que utiliza os Shinden IIs, o qual será operado a partir de porta-helicópteros quando completo. 

Wataru Asano

Codinome: ‘Aster’

 

Piloto de teste do ASF-X Shinden II. Detém a patente de segundo tenente. Apesar de sua aparência sombria, ele é um piloto de F-15J veterano.

 

Ele juntou-se ao grupo no meio do programa ASF, mas é um piloto talentoso que opera sua aeronave usando um pensamento lógico.

 

Ele pertencia ao 306° Esquadrão Tático de Caças junto a Nagase no passado e até se dava bem com ela, mas por alguma razão, os detalhes do que aconteceu entre os dois não é claro.​

Esboço feito por Shoji Kawamori

Esboço do design do Shinden II. Entre outras coisas, asas enflechadas para frente de geometria variável e imagens de sua utilização demonstram que mesmo nesta fase, o conceito do Shinden II estava sendo finalizado.​

Kawamori ASF-X Notes PTBR.png
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Caça de Suporte Avançado

ASF-X Shinden II

Uma obra-de-arte da tecnologia moderna, o caça de suporte avançado está em desenvolvimento para ser operado pelas forças de autodefesa do Japão. Ao mudar sua geometria, ele mantém estabilidade em todas as velocidades cabíveis, ostentando versatilidade em ataques navais em águas territoriais, contra-ataques contra forças anfíbias inimigas, suporte aéreo de proximidade em territórios montanhosos e operações onde as linhas de frente estão em movimento constante. A geometria variável com asas enflechadas para frente o dão alta manobrabilidade e o caça se sobressai em confrontos de curta distância, enquanto a combinação única de dois motores montados verticalmente dão uma capacidade para operações STOVL*. Chamado “Shinden II.”

Especificações

País de desenvolvimento: Japão / Indústrias Pesadas Taiga

Comprimento total: 19.5 m

Largura total: 14.0 m

Altura total: 3.56 m

 

Armamento:

Compartimento de armas frontal: x4 Mísseis ar-ar de curta distância

Suportes sob as asas: x6 Mísseis ar-ar de longa distância ou x4 lançadores de foguetes de 70mm

Compartimento de armas traseiro: 2x Mísseis anti-navios guiados

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​Conteúdo do Livro

 

Prólogo

ASF-X

 

Capítulo 1

Um novo rosto

 

Capítulo 2

Q-X (Quox)

Exercício

Acidente

 

Capítulo 3

Conspiração

SSTO

A Luta Real

 

Epílogo

Ikaros​

Prólogo

ASF-X

​Página 10

 

​Tudo ao meu redor era azul. Céus azuis abertos acima, e o oceano azul escuro embaixo. Ambos nada mais que enormes espaços azuis. O horizonte se estendia por quilômetros em toda direção.

 

“Aqui fala Edge, alvo localizado. Aguardando ordens.”

 

“Entendido. Comece o teste imediatamente.”

 

A guarda-marinha Kei Nagase decidiu não seguir estas ordens.

 

“OK, eu voarei por cima uma vez para confirmar o alvo, então voltarei e iniciarei o teste. ”

 

Houve uma breve pausa.

 

“Entendido, inicie o teste assim que o alvo for confirmado.”

 

​A torre de controle não concordava com o que Kei estava prestes a fazer, mas não tinha motivos para impedi-la.



 

Página 11

 

O protótipo modelo um, "Zero Um", voou sobre a localização do alvo.

 

O alvo era um balão laranja, 3 metros de diâmetro. Facilmente visto à distância. O balão estava preso a uma boia com um transponder GPS. Era meramente decorativo. Não importava se o foguete atingisse o alvo ou não. O verdadeiro teste era o disparo do foguete. A boia estava lá meramente para mostrar o centro da área de teste, para que a torre de controle soubesse quando Zero Um tivesse entrado nesta para lançar o foguete.

 

Este teste estava sendo feito apenas para prover dados aos engenheiros. Não haviam alvos verdadeiros aqui, para testar a habilidade da Nagase. 

 

Ela apertou o botão do painel de controle uma vez, e então ligou os sensores ópticos e a tela multisensor. O painel do console acendeu, e a tela multifuncional foi ativada. Depois de mexer em algumas chaves, os dados de navegação apareceram na tela multifuncional (TM). (MFD: "multi-function display" - tela multifuncional.) 

 

A TM ficava embaixo do painel de chaves, o que a tornava difícil de ver enquanto se estava pilotando. No lado direito da TM, havia um mapa do mar abaixo que estava sendo detectado pelos sensores ópticos da aeronave.



 

Página 12​

 

Modelos protótipo geralmente possuem um sistema avançado de mira guiado a laser, mas Zero Um é o único que foi equipado com um sistema especial, guiado a laser, montado na frente da aeronave.

 

Zero Um foi originalmente desenhado para ser uma plataforma de testes aerodinâmicos, então não possuía esses tipos de sensores. Também possui radar e sensores ópticos. Não há sistemas de controle de armas a bordo. 

 

Nagase virou uma chave na TM, e uma tela mostrando o mar abaixo apareceu com um círculo branco apontado para a área abaixo. Uma voz irritada vindo da torre de controle gritou, “ Edge! O que você está fazendo?!” 

 

A TM e HUD (Heads Up Display - tela de rosto) do Zero Um estavam sendo monitorados pela torre de controle. 

 

“Vou usar os sensores para localizar o alvo abaixo”, respondeu Nagase. 

 

“O que você está tramando?”, respondeu a torre de controle. 

 

​“Estou apenas usando um aplicativo customizado para melhorar a tela”, Nagase disse.



 

Página 13​

 

“Relaxa! Não tem perigo algum!”

 

De repente, uma voz diferente cortou a transmissão da torre de controle. Era o comandante do grupo de pilotos de teste, o major Mishima.

 

“Você instalou seu aplicativo próprio, como assim não há perigo nenhum?”

 

“Foi o Wannabe que fez, não tem nada de perigoso”, respondeu Nagase.

 

​O ASF-X vem instalado com um computador de regulagem padrão, mas esse aplicativo permitia que funções adicionais fossem postas no sistema com facilidade. A versão que a Nagase instalou foi programada por um outro piloto de testes, chamado Wannabe. 

 

Esse aplicativo mostra o curso e a janela de tempo necessárias para que um foguete acerte seu alvo. O computador de regulagem é rígido e permite que este tipo de aplicativo simples rode, mas outros mais complexos, que fazem outras coisas, são barrados. 

 

Se um FCS* genuíno estivesse instalado, a alça de mira seria mostrada no HUD, mas como se trata de um FCS informal, ela só aparece no TM.

 

(FCS = Fire Control System - sistema de controle de armamentos.) 

 

​Graças a este aplicativo e às informações extras provenientes das TMs, acertar alvos com os foguetes deveria ser bem mais fácil.



 

Página 14​

 

Não é nada comparado a um FCS de verdade, mas é bem melhor que os sistemas de mira obsoletos que os primeiros jatos dos anos 50 usavam. Para a Nagase, que não faz ideia de como os sistemas de mira daquela época funcionavam, é difícil entender a escala do avanço tecnológico. 

 

“Não aprovo isso. Você será punida quando você voltar”, Mishima disse. 

 

Nagase sorriu para si mesma. 

 

“O Mishima disse que não aprova, mas não disse pra parar de usar. Ele disse que eu vou ser punida, mas não disse que não serei perdoada”. Nagase riu sozinha. 

 

Mishima é um piloto, assim como eu. É por isso que eu respeito ele e gosto dele. 

 

“Aqui fala Edge. Vou voar de volta para o alvo e iniciar o teste.” 

 

Zero Um graciosamente girou e se virou para a direção oposta. 

 

O ASF-X foi desenhado para ser um acrobata aéreo.

 

O design aerodinâmico o torna extremamente estável e simples de se manobrar. Rolar e piruetar é muito fácil. Tão fácil, que a Nagase e os outros pilotos de teste às vezes acham que o avião não os desafia o suficiente. 

 

​Nagase deu zoom na TM e localizou o alvo. O balão laranja apareceu na tela e ela voou em direção a ele.



 

Página ​15​

 

Nagase teve um mau pressentimento. Laranja geralmente é uma cor de alerta quando se sinaliza para aeronaves. Se algo laranja aparecesse como cinza nos sistemas de

monitoramento da aeronave, há uma chance de que o piloto possa cometer um erro. 

 

Ela usou seu dedo para marcar o alvo na tela. 

 

“Alvo travado!” 

 

Um símbolo no formato de um X apareceu sobre o balão. Um círculo apareceu também, e começou a se alinhar com o X. Se o aplicativo customizado funcionasse direito, o foguete deveria ser disparado assim que o círculo se alinhasse sobre o X. Isto deveria garantir um acerto direto. 

 

Se a velocidade de voo e as condições atuais do vento não mudassem, não deveria haver problema. Mas para piorar tudo, o círculo continuava balançando de um lado para o outro mesmo que a aeronave estivesse voando reto. 

 

Aparentemente havia algo errado com os dados. 

 

“Aqui fala Edge. Disparei um foguete no alvo. Vou dar a volta e lançar mais um”, Nagase disse. 

 

Atirar num alvo duas vezes é bem normal. 

 

"Entendido. Comece o teste agora.” 

 

Pelo jeito, a torre de controle desistiu, e não se opôs ao plano. 

 

​O propósito principal deste exercício de teste é medir o desempenho de foguetes disparados em voo nivelado. Atacar alvos nessa posição é impossível, então a precisão não faz diferença.



 

Página ​16​

 

Se um ASF-X fosse participar de um ataque ao solo, ele automaticamente entraria em modo de mobilidade melhorada, que permite o voo em velocidades baixas com maior facilidade. 

 

O círculo na TM se sobrepôs ao X. 

 

“Fogo!”

 

A aeronave tremeu um pouco, mas fora isso todo o resto foi conforme o planejado. Uma pequena mudança na sensibilidade do voo era de se esperar devido à perda do peso do foguete, mas não houve muita diferença. Lançar um só foguete não mudaria muito o peso da aeronave. 

 

O foguete se lançou em direção ao seu alvo, deixando por trás de si uma trilha branca, e caiu com tudo no mar. Não possuía carga explosiva, mas a força com que atingiu o mar fez com que uma coluna d'água subisse a uma altura considerável. 

 

As leituras no foguete lançado foram bem detalhadas. O foguete errou por meros 30 metros. Nagase deu meia-volta e se preparou para disparar de novo. O círculo começou a ir em direção ao X novamente. Nagase levou o erro em consideração e alinhou sua alça de mira para outro disparo ao alvo.



 

Página ​​17​

 

“Fogo!” 

 

Nagase sentiu um calafrio de satisfação enquanto o foguete deixou a aeronave e foi em direção ao alvo. Dessa vez, tem que acertar. Porém, assim que o foguete foi lançado, algo deu errado. 

 

O nariz do Zero Um repentinamente começou a apontar diretamente para baixo e a aeronave começou a descer em direção ao mar. Nagase desesperadamente puxou a manete, mas o avião continuava a cair. 

 

O avião perdia altitude muito rápido. O voo já era em baixa altitude para que pudesse fazer os testes com o foguete, mas agora o oceano estava ainda mais perto. Os sistemas de controle detectaram a perda de altitude e começaram a mostrar alertas e avisos. 

 

O único problema era o movimento das asas. Quem sabe havia outra forma de parar a descida. Nagase se virou para o painel de controle e removeu algumas restrições de

voo. Ela mudou a direção das turbinas de empuxo vetorizado para combater a queda, o que ajudou o avião a conter sua descida. Estava funcionando. A aeronave voltou a se nivelar. 

 

“Aqui fala Edge. Vocês viram o que acabou de acontecer?!” 

 

“Sim, vimos tudo. Traga o Zero Um de volta para a base imediatamente.” 

 

​O pessoal da torre de controle deduziu que a causa do problema foi a perda de peso quando os foguetes foram lançados. Depois dos disparos, o sistema de voo errou quando tentou se ajustar ao novo peso da aeronave.



 

Página 18​

Se a aeronave conseguisse se estabilizar, não teria mais problema. Nagase fingiu mudar de curso, e voltou a procurar pelo seu alvo na água. Porém, não havia sinal do balão na superfície da água. 

 

Ela ainda não havia percebido que o foguete tinha acertado a boia embaixo do balão laranja. A boia era descartável, e não seria problema algum recuperá-la e consertá-la, então não era uma perda séria. 

 

Entretanto, ainda faltava a “punição” do Mishima. E pra piorar, a Nagase quase derrubou seu avião no mar depois de usar um aplicativo customizado. Ela não estava com pressa alguma para voltar para a base.

Capítulo 1

Novo Rosto
 

​Página 20

​O segundo-tenente Asano Wataru olhava com atenção na direção do horizonte enquanto o Zero Um se aproximava da base. Esta era a sua primeira vez a ver o ASF-X com seus próprios olhos. Porém, ao chegar ao seu destino o Zero Um passou justamente acima da base. Após dar voltas ao redor da base por um tempo, a aeronave finalmente começou a aproximação de pouso.

 

Então essa é a Nagase e seu estilo desnecessário de se divertir?

 

Quando o nome da piloto familiar passou por sua mente, os lábios de Asano curvaram-se para cima. Já fazia tempo desde a última vez em que ele havia se surpreendido assim. Graças ao tumulto antes da aproximação, Asano conseguiu ver claramente a fuselagem do Zero Um. Apesar de ter visto a aeronave em fotos e na televisão, ela parecia muito diferente quando vista pessoalmente.

 

Mas olha só que aeronave sexy…

 

E realmente essa era uma aeronave bem incomum e única. Os aerofólios eram divididos em três partes - as canards na frente, as asas e a cauda. As asas de enflechamento para frente permitiam ao Zero Um não somente fazer manobras acrobáticas e decolar ou pousar em curtas distâncias (STOL), mas também retardavam o ponto de separação do ar nas assas principais, portanto reduzia a turbulência e a velocidade de estol.

 

 

Página 21

 

As asas com enflechamento par frente ajudavam o Zero Um a rolar agilmente e reduziam a resistência aerodinâmica durante o voo transônico. Elas também reduziam a velocidade de estol durante o voo com baixa velocidade. As asas de angulação variável davam a aeronave uma incrível manobrabilidade enquanto o piloto era capaz de ajustar a aerodinâmica da aeronave quando necessário. Os aerofólios na cauda, que também tinham uma angulação ajustável, serviam tanto como estabilizador horizontal quanto vertical. O Zero Um era um caça bimotor a jato, mas a configuração de cada motor era muito diferente do comum. Os motores eram montados separadamente, um acima do outro. Tanto a combinação incomum dos motores quanto a da tubeira com empuxo vetorial eram as razões por trás da excelente manobrabilidade e performance STOL da aeronave. E é claro, não podemos esquecer do sistema de ventilação e resfriamento da aeronave em seu estado-de-arte. Por fim, a característica stealth do Zero Um era o toque final para justificar toda a pesquisa e trabalho duro dedicado à aeronave.

 

O Zero Um era uma aeronave de performance absurda em todos os sentidos. Era como se o Zero Um tivesse uma enorme ganância em manter todas as suas partes pois muitas delas simplesmente não combinavam uma com as outra. Apesar do visual de outro mundo, havia um ar de salubridade que ninguém conseguia explicar.

Apesar do ASF ser o protótipo da aeronave de suporte F-3, o ASF-X era o modelo teste sendo usado no desenvolvimento da próxima geração do programa Advanced Support Fighter (Caça de Suporte Avançado), o qual substituiria o caça de suporte F-2. A Força Aérea de Auto-Defesa do Japão (FAADJ) e a Marinha de Auto-Defesa do Japão (MADJ) utilizariam o F-3 no futuro próximo. O ASF-X era para ser utilizado antes mesmo do caça de suporte F-3 entrar em serviço a fim de apressar o processo de desenvolvimento. Por isso estava planejada a utilização de armamentos que teriam o mesmo poder de destruição, ou até mais, comparado às armas do caça de suporte F-2 para que o ASF-X recebesse seu status operacional em um futuro próximo.


 

Página 22​

 

Quando isso acontecesse, o ASF-X teria uma boa chance de ganhar o título de melhor caça de todos os tempos. Enquanto Asano pensava sobre isso, ele ouviu os sons dos motores em potência total - Zero Um acabara de pousar. Asano se perguntava se o ASF-X poderia lhe introduzir a um novo patamar de pilotagem.​

 

A velocidade de estol do ASF-X era relativamente baixa comparada a de outras aeronaves supersônicas. Isto havia sido comprovado tanto em simulações computadorizadas como em testes de voo. Como mencionado, o ASF-X tinha uma performance STOL excelente. Se suas asas com angulação variável fossem usadas eficientemente, era possível voar a uma velocidade inacreditavelmente baixa. Porém, a aeronave havia pousado muito mais rapidamente do que seu limite. Isso devia-se a inexperiência do piloto em controlar a resistência aerodinâmica em pousos com baixas velocidades. O efeito de solo também podia fazer com que o piloto perdesse o controle da aeronave. De qualquer maneira, não era aceitável expor a única aeronave de teste a perigos por motivo algum. Além disso, o ASF-X podia pousar verticalmente em teoria pois as aeronaves F-3 requisitadas pela MADJ deveriam ser capazes de decolar a partir de pistas curtas e pousar verticalmente.

 

De vez em quando, Nagase tinha um impulso de alongar a distância de pouso para que o taxiamento fosse mais rápido ao pousar com uma angulação que estava fora dos limites estipulados. Porém era sabia melhor do que ninguém que não podia deixar que seus impulsos virassem ações.


 

Página 23​

 

​De qualquer maneira, o Zero Um veio a sua parada total com 1,000 metros restando na pista. A pista de pouso tinha 3,000 metros por razões de segurança. Após seguir as instruções dos sinaleiros, ela taxiou algumas centenas de metros em direção ao pátio de aeronaves perto do hangar. Quando Nagase viu o veículo de reboque se aproximar ela desligou os motores, abriu a capota e tirou seu capacete. O interior do capacete estava quente e cheio de vapor, não importava o quanto a tecnologia melhorasse. O técnico de manutenção de aeronaves pulou do veículo de reboque e montou a escada a aeronave.

 

“Ótimo trabalho, Nagase.”

 

“Obrigada.”

 

O técnico abaixou sua voz levemente.

 

“Algo de errado aconteceu? O Mishima está puto da vida.”

 

“Bem… foi algo de leve.”

Nagase começou a andar para os dormitórios enquanto mantinha seu olhar focado no veículo que rebocava o Zero Um para o interior do hangar. Ela percebeu que havia alguém na cobertura dos dormitórios. Parecia alguém que ela já tinha encontrado anteriormente, mas o vulto desapareceu antes que ela pudesse identificar quem era.



 

Página 24​ 

 

A aeronave caça de suporte F-3 era o cúmulo da esperança Japonesa em igualar o seu poderio militar com o dos países vizinhos cujos arsenais estavam crescendo com tecnologia avançada.

 

O ápice da ciência moderna e tecnologia militar estavam envolvidos no seu desenvolvimento. O F-3 era um caça multi-função supersônico capaz de realizar missões de combate aéreo, ataques ar-terra, ataques navais entre outras. Com a vantagem de ser uma aeronave STOVL, o F-3 poderia decolar a partir de porta-aviões e pousar a em bases avançadas na linha de frente.

Além de poder cumprir várias missões numa mesma surtida, o F-3 também poderiam mudar sua configuração durante a missão. O F-3 foi nomeado como caça swing-role (mudança instantânea) graças a sua versatilidade. O caça de suporte F-3 era o ápice da tecnologia militar do Japão.


 

Página ​25​

 

​Quando o programa de desenvolvimento do F-3 foi anunciado, alguns oficiais estavam céticos dado a ideia e escala do projeto. Na vida em geral e particularmente na fabricação de aeronaves, era necessário decidir qual aspecto deveria ser priorizado. Mas a Força Aérea de Auto-Defesa do Japão precisava de uma aeronave versátil capaz de fazer o impensável.

O século 21 era uma era de superpotências lutando por uma nova ordem mundial.

As ameaças militares da República já não mais eram uma possibilidade, mas sim uma realidade. A República [1] havia declarado seus interesses em expandir a influência da nação ao redor do globo. Além disso, a República já não mais seguia os acordos internacionais, os quais eles diziam ter sido orquestrados pelas nações ocidentais com o propósito de oprimi-los. Fronteiras e políticas internacionais começaram a perder seus significados devido ao poderio militar da República. A República demandava a regulamentação da entrada de embarcações estrangeiras dentro de sua zona econômica exclusiva enquanto rapidamente aumentava seu poder militar e político.

 

Além disso, a República começou a chamar os mares próximos de sua área econômica exclusiva como “o litoral próximo” e passou a reivindicar posse da região, causando disputas territoriais com os países vizinhos. Isto causou uma repercussão política contra a República, mas “o litoral próximo” seria considerado o território da Républica no futuro próximo.

 

Apesar de declararem suas pretensões não-oficialmente, alguns oficiais militares deram um passo além ao comentar que as missões pacificadoras no oeste do Pacífico deveriam ser conduzidas exclusivamente pela República. Os jornais e a mídia dos países vizinhos retalharam no dia seguinte, criticando duramente o comportamento agressor da República. Especialistas políticos e militares acreditam que esta será a política oficial da República em breve.



 

Página ​26​

 

Enquanto isso, os Estados Unidos, considerados como a polícia mundial, demonstraram em sua política uma posição em que não levara a sério as ameaças militares e as reivindicações sobre a posse do “litoral próximo” da República. Portanto ficava aos países vizinhos demonstrar sua vontade e capacidade de defender seu território.

 

Havia a necessidade de um aumento no poderio militar e a demonstração de força para manter a autonomia nacional durante as tensões internacionais entre as superpotências e suas fronteiras. A defesa nacional era um assunto de urgência e tinha que ser priorizada pelos países que detivessem disputas territoriais com as superpotências. As tensões se intensificavam e o tempo corria para o Japão.

Apesar do F-3 ser uma solução temporária, ele se assemelhava a um curativo para um corte aberto, uma solução a longo prazo era necessária.

 

Era numa situação como essa que a Taiga Indústrias Pesadas chegou ao resgate. A Taiga Indústrias Pesadas era uma fabricante de tamanho médio de jatos executivos. Essa é a companhia por trás do desenvolvimento do F-3. Dado os vários anos de fabricação de jatos executivos, a Taiga Indústrias Pesadas havia acumulado muita experiência no desenvolvimento de aeronaves, o que acabou por encurtar o tempo de desenvolvimento da próxima geração de caças de suporte.

 

A carreira de piloto de caça de Nagase havia sido tão longa quanto o programa de desenvolvimento do ASF. Nagase decidiu se tornar uma piloto de caça durante o período em que o ministério da defesa do Japão anunciou o programa ASF.

 

Nagase havia se alistado primeiramente na Marinha de Auto-Defesa do Japão ao apostar nos rumores sobre um porta-aviões sendo desenvolvido sob pretensa de ser um destróier de escolta e após descobrir que a Força Aérea de Auto-Defesa do Japão não empregava mulheres como piloto de caça.



 

Página ​27​

 

​Nagase, a qual tinha ingressado a MADJ, era primeiramente qualificada a operar aeronaves de asas fixas. Mas logo depois ela deu entrada no programa de treinamento de piloto de asas rotativas com o 211º Esquadrão de Treinamento Naval na Base Aérea da Kanoya.

 

Isso devia-se a probabilidade dos porta-aviões carregarem aeronaves STOVL e a proficiência em helicópteros seria uma vantagem para um piloto de aeronaves com pouso vertical.

 

Nagase pensou que a experiência na operação de helicópteros lhe daria uma

vantagem na hora dela se tornar uma piloto de caça ao invés de uma piloto de asas fixas com missões de guerra antissubmarina.

 

Não demorou até as Forças de Auto-Defesa do Japão anunciaram oficialmente a construção dos supostos porta-aviões.

 

Nagase havia sido escolhida como uma candidata para posição de piloto caça e foi transferida para um esquadrão de caça da Força Aérea de Auto-Defesa do Japão. 

 

​Agora pertencente aos Golden Eagles, o 306º Esquadrão Tático de Caça da Força Aérea, Nagase recebeu o treinamento mais rigoroso para tornar-se uma piloto de caça no F-15J e uma piloto de helicóptero em missões de busca e salvamento.

 

Apesar da falta de anúncios oficiais, a Marinha de Auto-Defesa do Japão havia decidido que o F-3 seria uma aeronave STOVL e a instituição já estava à procura de um piloto de caça supersônico que também fosse capaz de pilotar um helicóptero.

 

Ao concluir seu treinamento com os Golden Eagles, Nagase foi transferida para a 19ª Força Tarefa com a finalidade de ganhar mais experiência em interceptações. Logo após ela foi escolhida como piloto de teste do ASF-X.



 

Página 28​

 

​Seu título oficial era: piloto de teste do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste, o qual pertencia a Divisão de Pesquisa de Engenharia Aeronáutica sob o Departamento Conjunto de Pesquisa de Equipamento, o qual por sua vez pertencia ao Instituto de Tecnologia e Pesquisa do Ministério da Defesa do Japão.

 

Apenas os mais hábeis pilotos de toda a nação eram selecionados para este esquadrão.

Nagase havia superado vários obstáculos em sua longa jornada a se tornar um dos melhores pilotos da nação e ser selecionada para o projeto de desenvolvimento do caça que poderia ser o melhor de todos os tempos.

 

O horário do debrifim não tinha sido alterado e o voo teste havia terminado antes do antecipado graças ao acidente anterior com o foguete.

 

Pelo contrário, tanto Nagase como Ose deveriam correr e dar duas voltas ao redor da pista de 3,000 metros como punição. Eles tinham mais cúmplices, masnem Nagase nem Ose deduraram seus companheiros. E o “experimento com armas” da Nagase acabou por ser incluído ao plano original do teste, isso graças ao Mishima.

Ao mínimo pode-se dizer que o Mishima detinha uma certa influência.

 

Mishima era o supervisor dos pilotos de teste do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste e sua função não mais incluía pilotar a aeronave.

 

Mas deve-se mencionar que o Mishima foi a primeira pessoa a pilotar o ASF-X.

 

Mishima também foi o instrutor de voo de Nagase em seu treinamento para piloto de caça.

Ele havia experiência e competência o suficiente para liderar os pilotos de teste.



 

Página ​29​

 

​E é claro, as suas habilidades como piloto não era a única razão pela qual Nagase e os outros pilotos o respeitavam. Ele era durão, mas também era justo ao deixar passar algumas instâncias de mal comportamento. E além de tudo, ele era confiável e o tipo de pessoa que você poderia contar no caso de uma emergência. E é por isso que o Mishima era imensamente respeitado pelos pilotos de teste e outros oficiais. Após um breve resumo sobre o experimento que aconteceu naquele dia, Nagase explicou o problema que havia acontecido em seu voo de teste durante o debrifim. Logo após os técnicos brevemente explicaram a causa do problema de acordo com a análise deles e agora era a hora da sessão de perguntas do debrifim.

 

“Apesar de termos a impressão momentânea que estamos lhe dando com um pequeno problema, existe a possibilidade que o incidente tivesse se tornado uma situação irreversível caso a altitude da aeronave ou a maneira em que Nagase reagiu ao problema tivessem sido diferentes. Eu não vou tolerar nenhum risco ou insubordinação que poderia nos custar o Zero Um num acidente. Como explicado anteriormente, precisamos de uma inspeção completa para identificar a origem do problema. Portanto, o voo de teste de amanhã está cancelado. Isso é tudo para o debrifim. Vocês estão livres agora.”

 

O major Mishima, o oficial líder do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste tinha terminado o debrifim. Ele chamou Sonoda como se tivesse lembrado de algo justamente após Nagase se levantar para contestar sua decisão.

 

“Sonoda, venha comigo. Eu lhe apresentarei o segundo tenente Asano.”

Quando Nagase ouviu esse nome, ela se perguntou se a pessoa que ela viu na

cobertura anteriormente era Asano. O rumor de que um novo piloto se juntaria ao esquadrão já circulava faz tempo. Isso só podia indicar que Asano era o novo piloto de teste a juntar-se à equipe. Nagase havia trabalhado com ele anteriormente quando ambos estavam nos Golden Eagles em Komatsu.



 

Página ​30​

 

Nagase se destacava em diante dos membros dos Golden Eagles, o 306º Esquadrão Tático de Caça da Força Aérea, já que ela tinha suas origens na Marinha de Auto-Defesa do Japão. Por essa razão ela não tinha proximidade com quase ninguém, mas ela acabou por conhecer Asano pois ambos pilotavam o F-15.

 

Ao sair da sala de debrifim, Nagase tentava relembrar quem era Asano, mas ela foi parada por Ose.

 

“Nagase, quem é esse Asano? Você já trabalhou com ele antes, né?”

 

“As notícias voam aqui, hein?”

 

“Não seja boba. O anúncio que teríamos um novo piloto se juntando ao esquadrão foi feito faz tempo. Você sabia que era o Asano que se juntaria a nós? 

 

“Não tinha ideia. Asano foi transferido para os Golden Eagles, o 306º Esquadrão Tático de Caça, 3 meses após minha chegada lá, então acho que ele é o novato comparado comigo. Ele era um piloto hábil se eu me lembro corretamente.”

 

“Huh, é mesmo?”

 

“Porquê? Você tem algum interesse nele.”

 

“Não, eu... bem, como posso dizer isso... Eu nunca ouvi falar dele até agora.”

Era óbvio que existia um número limitado de pilotos de caça no Japão. E na pequena comunidade de pilotos de caça onde todos se conheciam, você precisava ser ‘famoso’ e ter uma boa reputação para ser selecionado como piloto do caça de próxima geração. Nagase, Ose e Sonoda, todos os três já conheciam e tinham ouvido falar um dos outros antes de serem selecionados para trabalharem juntos.



 

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​Nagase achou estranho o que Ose havia mencionado.

 

“Bem, acho que vou acabar por conhecê-lo quando nos encontrarmos. Eu acho

que ele deve ser apresentado até o final do dia.”

 

Ose estava cética sobre Asano já que nunca havia ouvido falar dele. Mas ele achava que não importaria se ele fosse famoso ou não já que a decisão de sua transferência a equipe já havia sido tomada.

 

“É, já faz tempo da última vez que vi ele.”

Nagase e Ose seguiram rumos diferentes, ambos pensando sobre o assunto.

 

Asano foi apresentado no final do dia. A cadeia de comando do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste não tinha sido definida claramente. Não haviam muitos pilotos no momento já que o Zero Um era o único ASF-X que Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste tinha. Também era difícil impor a hierarquia pois essa era uma operação conjunta entre a FAADJ e a MADJ. Ao final de contas, o Capitão Sonoda, um dos integrante do esquadrão de patente mais alta, agia como facilitador.

 

“Deixe-me lhes apresentar o segundo tenente Asano Wataru. Ele foi transferido do Departamento do Interior para se juntar a nós. Sua especialidade é...”

 

Sonoda pausou a introdução de Asano para dar uma olhada nos papéis que tinha em mão.

 

“Aparentemente sua especialidade é pilotar. Que ironia para quem se juntará ao nosso esquadrão como um piloto de teste.”

Enquanto olhava para Asano, o qual continuava em sua pose militar, Sonoda continuou a sua apresentação.



 

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“Seja bem-vindo ao Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste. Segundo tenente Asano, apresente-se agora.”

 

Quando seu nome foi chamando, Asano deu um passo a frente e se apresentou.

 

“Segundo tenente Asano Wataru, a partir de hoje farei parte do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste. Eu não tenho nenhum hobby ou interesse em particular. Prazer em conhecer todos.”

 

Sua habilidade é pilotar e não tem nunhum hobby. Ha! Quer dizer que pilotar é tudo que esse cara pensa?

 

Nagase viu Ose zombando de Asano, mas ela estava pensando em algo diferente.

 

O Departamento do Interior do ministério da dafesa estava cheio de burocratas civis cuja função principal era ajudar o ministério da defesa com a papelada. Asano teve um carreira curta como piloto e ele foi transferido para o Departamento do Interior após pilotar o F-15 em Komatsu. Não importava qual o ponto de vista, ele não tinha as qualificações necessárias para ser um piloto de teste. A Nagase levantou sua mão com essa ideia em mente.

 

“O que você fazia no Departamento do Interior?”

 

“Eu coordenava o Departamento do Interior com algumas editoras civis para a criação de uma revista de relações públicas para as Forças de Auto-Defesa do Japão.”

 

Nagase teve a leve impressão que Asano já esperava essa pergunta. Ela percebeu isso da maneira como ele respondeu a pergunta.

“Ok, legal. Caso você tenha alguma pergunta estou aqui para ajudá-lo.”



 

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​Ose ficou com um sorriso amargo em seu rosto devido ao comentário paternalista que Nagase fez a Asano já que ele era muito mais velho que ela.

 

Nagase era um pródigio com talentos extraordinários em pilotagem e era também muito jovem. Tanto Sonoda e Ose a admiravam bastante devido as suas habilidades como piloto. Ela era uma piloto valiosa para a Forças de Auto-Defesa do Japão pois ela podia pilotar tanto caças quanto helicópteros. Em contrapartida, nem alguém com habilidades semelhantes as da Nagase poderia juntar-se ao Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste caso não soubesse pilotar helicópteros. Dentre as razões temos a curta carreira como piloto e a idade. Mas Asano era um novato comparado à Nagase - mesmo que somente por 3 meses - e ele também teve uma pausa em sua carreira quando parou de voar ao trabalhar para o Departamento do Interior.

 

Não fazia sentido ter alguém como Asano, o qual teve uma carreira curta, juntar-se à equipe como piloto de teste do ASF-X. Parecia que Nagase queria desmerecer Asano por esta razão. Apesar de Asano ser muito mais velho que Nagase, ele ainda era considerado jovem na comunidade de pilotos de caça. Não havia dúvida que Asano tinha algo excepcional para ter sido selecionado para a equipe. Talvez ele era um outro prodígio como a Nagase. Houve um tempo em que Ose tinha um certo orgulho de suas habilidades também. Agora ele se achava apenas um veterano de idade que continuava em serviço graças à experiência que ele acumulou ao longo dos anos. Ele se sentia desta maneira ainda mais após conhecer a Nagase. Ele se sentia já por fora, pensando que mais um jovem piloto prodígio havia entrado na equipe. Desta vez, Ose levantou sua mão para fazer uma pergunta a Sonoda.



 

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“Quando o segundo tenente Asano vai pilotar?”

 

“O mais rápido possível. Assim que a manutenção do Zero Um acabar, Asano será o primeiro a pilotar.”

 

Nagase se chocou ao ouvir isso.

 

“O ASF-X é um caça especial que é muito diferente de outras aeronaves. Não seria melhor ele nos observar primeiro?”

 

“Isso não será necessário.”

 

Mishima entrou na sala antes que alguém tivesse percebido. Ele continuou o que estava dizendo enquanto gesticulava com sua mão para a equipe não se levantar em posição de sentido.

 

“O segundo tenente Asano já completou o treino com simulador na base de Nyutabaru. Eu tomei minha decisão ao ver os resultados dele em sua pilotagem com o T-4 e o F-15 no simulador. Eu gostaria que o Asano pilotasse o ASF-X o mais rápido possível.”

Nagase e os outros pilotos de teste haviam feito o treino com simulador mas ele não era muito útil. A simulação era feita com um modelo do F-3, então muito do treino era irrelevante para a pilotagem do ASF-X. Porém os pilotos de teste não podiam reclamar da decisão do Mishima. Nagase estav irritada, mas aí Ose sussurou para ela.


 

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“Bem, só aqueles com talentos sobrevivem no mundo dos pilotos. Que tal vermos o quão competente esse cara é primeiro?”​

 

Asano teve seu voo marcado três dias depois da inspeção de manutenção ter identificado a causa dos problemas e os reparos feitos.

 

“Tem certeza que você vai se dar bem?”

 

No pátio de aeronaves, Nagase pergountou a Asano enquanto ele fazia a checagem externa do Zero Um. A última vez que ela tinha visto ele pilotar era quando ambos estavam nos Golden Eagles e o que ele tinha feito após sua saída do esquadrão era totalmente irrelevante ao que ele faria agora. Por isso Nagase não tinha certeza de sua competência.

 

“Obrigado, mas não se preocupe. Eu li o relatório de manutenção do ASF-X e tenho confiança absoluta que o Zero Um não terá problema nenhum.”

 

“De qualquer maneira, eu cuidarei bem do Zero Um.”

 

O problema é você, não a aeronave! Imaginando seu subconsiente rolar seus olhos, Nagase foi em direção ao T-4.

 

O voo de hoje tinha dois objetivos: Introduzir o Zero Um ao Asano e testar a aeronave após seus reparos. O T-4 que Nagase pilotaria tinha a função de monitorar o voo teste enquanto Ose e Sonoda observavam o teste no centro de controle.

Nagase observava Asano no cockpit do Zero Um ao olhar pelo retrovisor.

 

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​Asano se mantinha distante de todos.

 

Até durante a festa de boas-vindas planejada pela equipe de manutenção, Asano não coversava ativamente com ninguém, só sorria e falava quando absolumante necessário.

 

Nagase odiava a maneira como ele evitava socializar com os outros na festa. Ele não falou com ninguém. Tudo o que fazia era fingir ter conversas. Talvez ele achava que não precisava falar com ninguém. Asano desde o início sabia o suficiente sobre a operação do ASF, na verdade ele a conhecia muito bem. Por isso não havia muito o que Nagase ou os outros pilotos pudessem lhe ensinar. A autorização de decolagem foi dada pela torre de controle e Nagase iniciou sua decolagem. Nagase era a primeira a decolar. Geralmente os voos de testes envolviam mais de uma aeronave de observação acompanhando o ASF-X, mas Nagase era a única a acompanhar o protótipo pois Asano só iria fazer algumas manobras básicas. Após Nagase, chegou a hora de Asano decolar.

 

“Asuta, você está autorizado a decolar.”

 

A torre chamou o codinome de Asano.

“Entendido. Asuta pronto e decolando.”


 

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​Após a autorização de voo ser dada pela torre de controle, Asano deu início a sua decolagem. Nagase observava sua decolagem do ar. A decolagem foi impecável mas isso por si só não era indicação alguma de habilidade. Isso só provava que Asano não era um novato. O sistema de controle de voo do ASF-X havia sido programado para ajudar o piloto durante a maior parte da decolagem e do pouso, então não fazia muita differença quem estava sentado no cockpit. Após decolar, o Zero Um deu duas voltas sobre a base, iniciou sua aproximação e pousou.

 

“Asuta, algum problema com a decolagem ou com o pouso?”

 

Mishima perguntou a partir da torre de controle.

 

“Nenhum problema com a decolagem ou o pouso. Requisitando teste com a manete.”

 

O Zero Um decolou novamente quando sua autorização foi concedida pela torre após ele taxiar para o início da pista. Desta vez, o Zero Um repetiu sua subida e descida, circulou ao redor da base, e pousou pela segunda vez. O teste de verdade estava prestes a começar quando ele decolasse pela terceira vez.

 

Após a decolagem, o Zero Um foi em direção ao leste para o espaço aéreo designado para voos teste. Neste terceiro teste, Asano devia testar a manobrabilidade do Zero Um, mas ele estava restrito à certas manobras - assim como patinadores de gelo escolhem suas piruetas antes do show. E como esse era o primeiro voo de tesde do Asano, ele estava limitado a fazer apenas as manobras que Nagase e os outros pilotos de tesde já haviam feito.


 

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​Asano acelerou o Zero Um para ganhar altitude. O T-4 também era uma aeronave superssônica com razão de subida excelente, então Nagase foi capaz de seguir Asano sem muita dificuldade. Em pouco tempo Asano alcançou os 6.000 metros.

 

“Aqui é Asuta. Vou fazer um barrol roll para a esquerda.”

 

“Edge, vou posicionar o T-4 à frente e à esquerda de Asuta.”

Asano rolou o Zero Um para a esquerda enquanto puxava o nariz da aeronave para cima. O barrel roll é uma manobra onde a aeronave completa uma rotação tanto no eixo longitudinal quanto no vertical enquanto segue seu rumo. Em síntese, a manobra não era muito complicada mas a aeronave poderia perder energia e velocidade se o piloto perdesse o controle da aeronave. Asano fez o barrel roll três vezes rolando o Zero Um para a esquerda. Daí ele fez outros três barrel rolls para a direita. Era como se fosse uma cena de perseguição automobilística num filme onde o carro rolaria no ar e pousaria na faixa ao lado para apenas continuar em seu caminho como se nada tivesse acontecido. Era como se o céu tivesse um piso invisível justamente onde Asano voava pois isso justificaria sua pilotagem excelente.



 

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​Nagase nem podia acreditar no que via com seus próprios olhos. Apesar do ASF-X ser assistido pelo sistema de piloto automático, a pilotagem de Asano era extraordinária, a competência do piloto era evidente diante da performance da aeronave numa manobra como essa. Julgar a qualidade do piloto era possível independentemente da dificuldade da manobra feita.

 

Asano continuou o teste de voo ao fazer algumas outras manóbras básicas incluindo o Split S, o Chendelle e outras. Ele cumpria cada manobra precisamente. Acima de tudo, ele também as fazia rapidamente. Não havia nenhum movimento desnecessário em sua pilotagem. Na verdade, era difícil de acreditar que essa era sua primeira vez ao pilotar o ASF-X pois sua pilotagem era muito suave. A expectativa de Nagase é que Asano seria um piloto medíocre - mas ele pilotava muito melhor do que ela tinha imaginado.

 

No debrifim, as imagens do teste de voo de Asano tiradas pelo T-4 foram

mostradas aos pilotos de teste. O voo de teste de Asano continuava a ser incrível mesmo em vídeo. Mishima apenas descreveu o funcionamento das manobras e mantevesse quieto, ao contrário de seu comportamento padrão com seu criticísmo construtivo que era duro, mas também era justo.

 

Nagase parabenizou Asano.


 

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​“Nada mal! Asano, com certeza essa não parecia sua primeira vez pilotando o ASF-X!”

 

“É isso mesmo, Asano. Você pode nos explicar como conseguiu se adaptar ao ASF-X quando sua única experiência foi com o simulador?”

 

Asano respondeu a pergunta de Mishima.

 

“Eu tentei me acostumar com a manete do simulador de treinamento. Daí li relatórios sobre as diferenças entre o simulador do ASF-X de verdade e assisti vídeos de voos de testes feitos por outros pilotos.”

 

Mais ou menos o que ele disse em sua explicação: eu observei e aprendi. Mas não é assim que a pilotagem de aeronaves -ou qualquer outra técnica de complexibilidade semelhante- funcionava. Por que alguém passaria anos e anos para afiar suas habilidades se funcionasse assim? Nagase ficou perplexa quando ouviu a explicação de Asano.

 

“O que você acha do ASF-X agora após ter pilotado ele em comparação com a simulação?”

 

“Ele reagia muito mais rapidamente do que imaginava. Fui capaz de executar as manobras assim como tinha em mente. E o sistema de controle fly-by-light e o piloto automático em geral eram muito mais avançados do que havia imaginado. Na verdade, era tão avançado que tive dificuldade em sentir o limite da aeronave ou me acostumar com as características da aeronave.”

 

Mishima acenou com a cabeça.

 

“Vamos colocar o Asano para testar as limitações do ASF-X num futuro breve. O Zero Um não foi feito com o feedback interativo das condições de voo para o piloto em mente. Eu vou falar com a Taiga Indústrias Pesadas para ver o que podemos fazer sobre isso. Dependendo do resultado desta conversa, as modificações poderiam ainda ser feitas no Zero Um.”



 

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Mishima olhou para a Nagase e para os outros pilotos na expectativa que eles tivessem algo a mencionar.

 

“Como disse anteriormente, amanhã teremos uma inspeção minuciosa de manutenção na aeronave. Por isso, todos os pilotos de teste terão o dia de folga. Ose e Sonoda pilotarão no dia depois de amanhã, e Nagase vai observar ao pilotar o T-4. Além disso, dois T-4 da base de Misawa se juntarão a nós.”

 

Asano levantou sua mão.

 

“Há alguma possibilidade em que eu pilotarei?”

“Não no dia depois de amanhã. Eu preciso de um relatório do voo de teste de você, então você vai para a torre de controle. Caso precisemos mudar o piloto de teste, Nagase pilotará o ASF-X e o pessoal de Misawa fará o voo de observação. Venha falar comigo caso tenha alguma pergunta sobre o relatório. Caso vocês não tenham nenhuma pergunta o debrifim acaba aqui. Dispensados.”

 

Ose virou-se para o resto dos outros pilotos de teste.

 

“Alguém tá a fim de ir para o karaoke?”

 

“Vamos.”



 

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Era difícil ver pilotos que bebiam muito hoje em dia devido ao sistema de controle rígido contra o álcool.

 

Os pilotos eram proibídos de beber álcool nas 24 horas antes de seus voos e o teste de intoxicação fazia parte do procedimento de checagem. Hoje em dia, pilotar era proibido caso a concentração de álcool excedesse o limite mesmo se o piloto tivesse bebido antes das 24 horas antecedentes ao voo e medidas disciplinares haviam sido tomadas. Devido a isso, o karaoke era o lugar para os pilotos se descontrairem numa ocasião como essa.

 

“Asano, por que você não vem conosco? Vamos ver se você é tão bom cantando do mesmo jeito que você pilota.”

 

Asano gesticulou com sua mão.

 

“Obrigado, mas não posso.”

 

“Ah beleza, vejo você depois então.”

 

Nagase franziu a teste nas costas de Asano ao vê-lo sair sozinho para seu quarto.

 

Sonoda viu seu rosto e segurou seu ombro.

 

“Talvez ele ainda é tímido para cantar conosco. Não se preocupe com isso.”

Mas o Asano nunca se juntou a eles no karaoke mesmo após todo esse tempo.

 

7 dias passaram desde o dia em que Asano pilotou o ASF-X pela primeira vez. E o Asano tinha batido o recorde de Nagase ao estabelecar um novo recorde de subida aos 9.000 metros.​



 

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Porém o recorde não era oficial. O recorde era usado exclusivamente dentro do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste e era medido da seguinte forma - você contava quanto tempo demorava para alcançar os 9.000 metros a partir dos 3.000 metros. Isso fazia parte da checagem após cada manutenção, mas havia a tendência dos pilotos em competir pelo recorde. Era óbvio que ninguém ficava feliz se seu recorde tivesse sido batido. Nagase rangeu seus dentes quando viu Asano bater seu recorde na torre de controle. O fato de Asano ter batido seu recorde não era a única razão da Nagase estar furiosa. A Nagase tinha estabelecido seu recorde antes que o Zero Um fosse instalado com radar e outras partes. Alguns haviam batido seu recorde anteriormente e vice-versa. Mas ao precensiar Asano bater seu recorde quando ele estava numa desvantagem - pois quando Nagase havia estabelecido seu recorde o Zero Um estava bem mais leve - isso era o que a enfuriava tanto.

 

“Subida excelente - relamente pilotando o ASF-X ao seu limite.”

Toda palavra de elogio vindo de Mishima estilhaçava o orgulho da Nagase. A manobra havia sido impecável, isso sem dúvida. Primeiro, Asano acelerou para Mach 1.4 em um voo horizontal para acumular velocidade para a subida. Daí ele apontou o nariz para cima usando sua energia cinética, fez uma volta de 90 graus com a aeronave apontando para cima. Daí ele apontou o nariz para baixo 90 graus uma vez que a aeronave alcançou a altitude desejada e continuou com o voo horizontal para acelerar para uma velocidade transsônica.



 

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​Asano chegou aos 9.000 metros de altitude repetindo esse processo 3 vezes. Ele minimizou a perda de energia cinética com a subida zoom. As aeroves são feitas com um design onde a eficiência aumenta quando o nariz aponta para cima. Por isso, a maneira mais eficiente de pilotar é apontar o nariz para cima ao invés de para baixo.

 

Ao apontar o nariz para cime em alta velocidade repetidamente, a aeronave tinha a tendência de fazer um loop vertical. Para contrabalancear isto, fazia-se uma manobra Immelmann, um meio loop no ápice da trajetória de voo, pois essa era uma maneira mais eficiente de voltar ao voo horizontal. Mas isso exigia muita precisão e técnica. Para começar, a manobra Immelmann muitas vezes resultava no estol da aeronave, ela era difícil de executar mesmo quando havia um excesso de energia. Foi nesse momento que Nagase percebeu que Asano tinha controle absoluto do Zero Um, algo que ela não tinha.

 

Por mais irritante que fosse, Nagase não conseguia realizar uma subida como Asano havia feito - pelo menos não neste nível de eficiência. Ela sabia disso pois ela tinha pilotado o Zero Um muito mais que Asano. Ao estabelecer um novo recorde de tempo, Asano claramente a superou.

 

Um dia eu vou superá-lo. Nagase jurou a si mesma que ela iria bater o recorde dele um dia.



 

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No entanto, Asano continuou a bater o seu próprio recorde. E ele realizou todas as manobras que o ASF-X poderia fazer e até fez algumas manobras acrobáticas. Nagase ficava cada vez mais impaciente. Ela sentiu como se tivesse um nó se formando em seu peito, um que ela não conseguia se livrar.

 

"Major, olhe só como a Nagase está estressada."

 

"Desafios são bons, mas talvez esse tenha sido até demais para ela."

 

Sonoda sorriu amargamente monitorando o voo de Nagase enquanto sentava-se ao lado de Mishima.

Ele poderia facilmente perceber pelo vídeo na tela que Nagase estava tentando desesperadamente. Nagase estava tentando fazer a manobra que Asano fez anteriormente, o Kulbit. Ao realizar um Kulbit, a aeronave girava-se para trás sem fazer um loop, mantendo a altitude e aumentando o ângulo de arfagem. O Kulbit estava intimamente relacionado com a manobra Cobra, uma manobra na qual o avião levantava o seu nariz momentaneamente para a posição vertical e um pouco além, antes do piloto abaixar seu nariz para retornar a aeronave ao voo normal. Os pilotos precisavam estar atentos ao estol prolongado ao fazer o Cobra e o Kulbit. O Kulbit é caracterizado como uma manobra pós-estol e demonstra a capacidade de usar o controle de arfagem fora do voo normal. Em outras palavras, demonstra a capacidade de manter o controle da aeronave mesmo se ela for atingida.

 

 

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É difícil dizer se essas manobras seriam úteis em uma situação de combate, mas, na maioria das vezes, os pilotos mais habilidosos eram capazes de realizar essas manobras. Nagase foi ordenada a executar dois Cobras e dois Kulbits. Mas no segundo Kulbit, ela acabou fazendo duas rotações completas em vez de uma só.

 

"Edge, o que diabos foi isso?"

 

“Aqui é Edge. Eu superei o ângulo da manobra por um pequeno engano.

 

"NÃO SEJA RIDÍCULA!"

 

Era muito óbvio que ela tinha feito isso de propósito.

Há uma queda acentuada na potência do motor ao executar o Kulbit porque o nariz da aeronave não fica alinhado com a direção que a aeronave se move, o que poderia causar uma falha no motor. E a aeronave poderia cair caso estolasse. Como há uma queda na potência após executar o primeiro Kulbit, o segundo Kulbit se torna muito mais difícil de ser executado. A execução de dois Kulbits seguidos é chamada de Kulbit duplo, que era uma manobra completamente diferente.



 

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Mishima suspirou e agarrou seu assento depois de repreender Nagase. Mas então, ele aparentava estar levemente contente com um sorriso no rosto quando se sentou.

 

"Apesar de não ter mencionado do debriefing de ontem, Asano estava realizando o Cobra e o Kulbit usando apenas as asas de angulação variável. A Nagase iria explodir de ódio se eu dissesse a ela que nem é tão difícil de fazer um Kulbit se ela usar o empuxo vetorial.”

 

"É mesmo, eu não posso imaginar a quão zangada ela ficaria."

Porém essa ainda era uma manobra difícil de ser executada. Mas o empuxo vetorial a tornaria relativamente mais fácil. Nagase estava estressada por ter sido superada por Asano. Mas ela ainda era um jovem prodígio com muito potencial aos olhos de muitos na equipe. Era isso que Sonoda achava. Ele estaria mentindo se dissesse que não tinha ciúmes de seus talentos, mas ele a via mais como uma júnior que precisava de sua orientação, ao invés de uma rival com quem ele precisava competir. Sonoda achou engraçado o quão desesperadamente Nagase estava tentando ser melhor que Asano. Certamente essa era uma tarefa em que ninguém da equipe poderia ajudar Nagase. No fim das contas, Sonoda considerava que Asano era um bom complemento para a equipe.



 

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Mishima carregava um celular particular com ele. Havia dois tipos de chamadas que ele recebia neste telefone: as chamadas de emergência, as quais ele precisava responder, e outras chamadas as quais ele podia ignorar. Apesar dele fornecer seu número para a sua equipe como um contato de emergência, ele raramente recebia telefonemas deles. E ele não dava seu número para mais ninguém para que ele não fosse incomodado. Mas a ligação que ele recebia agora não era exatamente uma ligação de emergência, porém Mishima sabia que seria melhor atender a essa ligação.

 

"Sim, Major General."

 

"Como está o Asano?"

 

“Ele poderia se socializar melhor com outros membros da equipe, mas no geral ele está bem. Ainda é muito cedo para chegar a uma conclusão, ele é muito compatível com o ASF-X. Talvez ele é até mais talentoso do que a Nagase.

 

“Por favor, cuide de seus aspectos sociais também. Asano é um piloto talentoso, mas seria uma pena se ele parasse por aí quando ele tem potencial para ser muito mais que isso.”

 

Não havia necessidade de dizer isso a Mishima, Asano foi um dos alunos instruídos pelo próprio Mishima.

 

"Concordo plenamente."

"Vou deixar este assunto com você. Mantenha-me informado"



 

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​Sua cabeça estava girando e seus ombros estavam pesados por conta de seu equipamento completo. Asano nunca havia percebido que seu coração batendo poderia ser tão alto nem sua respiração tão fraca. O capacete era completamente inútil. A luz do sol estava cegando seus olhos, apesar dos óculos de proteção. Seus olhos doíam por causa do sol e gotículas de suor entravam em seus olhos. Ele não conseguia enxugar os olhos porque suas mãos estavam ocupadas.

 

Só um pouco mais, não desista. Só mais um pouquinho.

 

Quando ele chegou à entrada da base, ouviu esta voz impiedosa em seu fone de ouvido.

 

“Não, Asano! Você não vai conseguir!

 

Não pode ser.

 

“Nossa base será bombardeada a qualquer momento! Encontre um lugar para

se proteger. Não há mais nada que possamos fazer!

 

Ele se agarrou ao muro da base que mais parecia como um penhasco. Então ele o escalou desesperadamente e pulou em direção a parte de trás da base.

 

Quando Asano abriu seus olhos, tudo estava escuro como breu. Ao contrário do que ele podia ver em seu sonho.

Seu corpo estava coberto de suor - exatamente como naquele momento.

 

 

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O sonho levou Asano de volta àquele momento e Asano pode lembrar de cada pequeno detalhe. Era impossível esquecer. Quantas vezes ele teve esse pesadelo? Asano riu de si mesmo com auto-aversão imaginando como ele conseguia continuar a ser um piloto quando ele está quebrado assim - acordando no meio da noite.

 

Então ele pensou que era o oposto. Como ela havia gastado toda sua energia com o seu treinamento e seus voos, ele era capaz de dormir à noite apesar de ter o pesadelo. Ele não estava cansado pois o voo de teste foi cancelado.

 

Depois de confirmar duas vezes que tinha mais de 30 horas antes de seu próximo voo, Asano pegou uma garrafa de gim da prateleira e começou a beber da garrafa. Ele não conseguia dormir sóbrio, mas ele precisava dormir.

 

Eu estou vivo, portanto durmo. Eu tenho pesadelos porque estou vivo. Eu sobrevivi e fui salvo.

 

Errado! - Ele pensou para si mesmo.

 

Eu não fui salvo. Ele colocou as duas mãos em seu rosto.

Eu não posso mais voar.

​Capítulo 2

Q-X

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O alarme que indicava a detecção por radar inimigo continuava a soar. Seu ala desapareceu para algum lugar depois da luta anterior.

 

Sendo perseguido, o piloto no F-2A desesperadamente girou o leme totalmente para a direita e levantou o nariz da aeronave. A asa direita do F-2 perdeu a sustentação, e o avião se lançou à direita. Ele rapidamente virou o leme na direção oposta, mas prestes a entrar em parafuso, a aeronave girou uma vez e meia. Ele estava na iminência de estolar.

 

Ele continuou a desviar até chegar perto de bater contra o chão, e o alarme finalmente cessou.

 

Para recuperar-se do estol e separar-se do agressor, ele virou à direita e mergulhou.

 

Enquanto mergulhava com sua inércia imensa, o alarme subitamente disparou de novo. Um rápido olhar no espelho retrovisor revelou que a silhueta da aeronave inimiga havia se aproximado.

 

Como foi que ele me perseguiu dentro do mergulho espiral?

 

Enquanto permanecesse numa curva acentuada, não seria atacado por mísseis, mas se continuasse fazendo isso, iria ao chão.

 

“Pimp, eu não consigo me livrar dele, me ajuda!” 

 

“Flatterer, onde está o inimigo? Eu não consigo vê-lo!



 

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O F-2 parou de virar para mergulhar e ganhar velocidade, e logo depois começou a subir. Durante todo esse tempo, o alarme continuava a soar, e assim que ele começou a subir, o som do alarme mudou para indicar que ele estava travado na mira.

 

“Já era… Estou acabado!”

 

O Tenente-Coronel Shimon, que monitorava as transmissões, balançou a cabeça.

 

“...Como que isso pode acontecer!?”

 

“O segundo caça foi derrubado. O placar atual é de 14 para 2.”

 

Para Shimon, a voz do operador parecia vir de uma grande distância.

 

Apoiado na parede da sala de controle e assistindo ao pânico do Tenente-Coronel, um homem de barba e óculos escuros se apresentou. Ele chamou Shimon, rindo levemente.

 

“Uma hora passou. Já vimos as capacidades, e embora seja mais cedo do que o planejado, o senhor preferiria jogar a toalha agora?”

 

Shimon virou-se e encarou o homem com uma expressão furiosa.

 

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O rumor se espalhou rápido, e no Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste, Nagase ouviu a respeito.

 

“Velho, isso é verdade?”

 

“Não sei dos detalhes. Sonoda estava falando a respeito. Eu estava agindo como se estivesse ocupado. Imaginei que se alguém soubesse algo, seria você, então te chamei, Segunda-Tenente Nagase.”



 

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Nagase e Oose se entreolharam. Foi a primeira vez que escutavam a respeito daquilo.

 

O velho trabalhando nos refeitórios franziu a testa. Membros do pelotão de suprimentos trabalhando nos refeitórios também eram membros orgulhosos das forças de defesa. Chamar a Nagase de “Segunda-Tenente” era uma forma indireta de protestar contra ela que o chamava de “Velho”, mas como ela estava preocupada com as notícias, nem notou.

 

Depois de comer, os dois encontraram Sonoda na sala de descanso para perguntar sobre a validez do rumor.

 

“O Q-X ganhou do F-2?”

 

Sonoda fez que sim com a cabeça.

 

“Foi uma razão de vitórias de 7 para 1.”

 

“Tá de brincadeira…”

 

Nagase estava chocada.

 

O Q-X é uma aeronave não tripulada sendo desenvolvida pela Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes da Força Aérea de Autodefesa Japonesa (JASDF). O seu papel básico é reconhecimento, mas ele possui a capacidade de ser armado e está sendo desenvolvido como uma aeronave multitarefa capaz de executar ataques. Embora seja não-tripulado, possui um motor turbojato capaz de voo supersônico e um radar de arranjo de fases.

 

Considerações para equipagem de mísseis ar-ar estavam presentes desde os primeiros estágios de desenvolvimento, mas num teste, perdeu de forma humilhante para os caças F-2 em duelos de treino no ano anterior.



 

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Desde que os três protótipos de segunda geração que foram construídos tiveram testes em voo favoráveis, a possibilidade de carregar mísseis antiaéreos foi testada em um programa de Teste de Combate Aéreo Dissimilar (DACT) contra o caça de suporte F-2. Os resultados foram uma derrota total para o Q-X, e mesmo mudando-se as condições e os parâmetros de avaliação, o Q-X era aniquilado rapidamente, incapaz de derrubar um único F-2.

 

Mesmo com mísseis e radar, o aparelho respondia de forma letárgica, e com um campo de visão limitado por sua natureza de operação remota, eles nem faziam ameaça alguma para os caças pilotados.

 

Porém, não conseguir acertar nada se tornou um grande problema. O aparelho possuía um certo nível de capacidade de manobras em combate, mas os desenvolvedores não seriam perdoados por fazer um avião que só conseguia desviar quando perseguido, como era o caso até então.

 

Isso foi há um ano atrás.

 

Depois do fiasco, o Q-X passou por revisões no desenho estrutural e nos sistemas de controle remoto, e os protótipos de terceira geração foram produzidos.

 

Capaz de voo supersônico e com seu radar de arranjo de fases, o Q-X parecia ter especificações luxuosas, mas era diferente dos UAVs* americanos por ter sido desenhado como uma aeronave barata e descartável desde o começo. A ênfase foi sempre em manter os custos de compra e produção baixos, e um dos objetivos do programa era de que o Q-X pudesse ser produzido em massa num curto espaço de tempo, a custos baixos.

 

*UAV - Unmanned Air Vehicle (Veículo Aéreo Não-Tripulado)

 

Era por esse motivo que os protótipos eram construídos sem muitas considerações. Na verdade, os protótipos eram baratos e o tempo de produção deles também era curto.

 

Consolidar grandes números a preços baixos, e se fossem derrubados, suplementar as baixas produzindo mais. Essa era a mentalidade do programa Q-X.

 

Imaginava-se que se o Q-X fosse interceptado por um caça, seria um resultado positivo contanto que um deles sobrevivesse e completasse a missão. Os mísseis antiaéreos eram apenas para aumentar as chances de sucesso nas missões.



 

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Ninguém esperava que ele fosse ganhar do caríssimo F-2.

 

“Com a ASF-X, provavelmente seria bem mais que 7 pra 1, mas com drones…”

 

Nagase inclinou a cabeça, pensativa.

 

“Vai que o Q-X tem alguma carta na manga?”

 

Ainda assim, 7 a 1 dói. Não tem desculpa pra isso.”

 

Oose não parecia querer aceitar os resultados, mas continuou a explicar.

 

“Por natureza, o Q-X é altamente manobrável. É um CCV* com ailerons especiais, e já que é um drone, dá pra fazer coisas com forças G ridículas sem problema. Também é pequeno e difícil de detectar. Se olharmos apenas para o seu desempenho como um avião, não é surpreendente que seja superior ao F-2, que é de uma geração diferente.”

 

*CCV - Control Configured Vehicle (veículo configurado de acordo com o controle)

 

“Mas 7 a 1 é muito.”

 

“Aí que tá. Não se tem sucesso desse jeito nem com ataques surpresas nem com o disparo de mísseis pra lá e pra cá. Agora, que essa coisa ganha do F-2 em um combate aéreo é algo que eu não posso aceitar. O Japão planeja exportar os Q-X para os Estados Unidos e espera que eles sejam usados no mundo todo. A distância até a base não importa, já que os drones serão controlados por uma rede de satélites, graças aos microatrasos nessa rede, o combate aéreo já se torna impossível.”


 

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Mesmo na distância mais curta, um satélite em órbita fica a mais ou menos 200 quilômetros de altura em relação ao solo, e no mínimo haveriam alguns milissegundos de atraso nos controles que não dá pra eliminar. Os sistemas do Q-X usam a rede lançada por um novo satélite de GPS orbitando a 20,000 quilômetros, então o atraso entre um movimento nos controles e a resposta da aeronave ia ser de alguns décimos de segundo.

 

O Q-X não foi feito pra ser usado em combates onde a diferença entre ganhar e perder é apenas um piscar de olhos.

 

“Se é pra acreditar, tem que melhorar as capacidades de evasão a radar. Queria ver se o radar do ASF-X detecta um desses.”

 

“Bem, pra gente tanto faz. Já que está sendo desenvolvido ao mesmo tempo que o ASF, pode parecer um projeto rival, mas o propósito é totalmente diferente. Sem relevância para os nossos esforços de desenvolvimento.”

 

As informações do Oose estavam corretas, mas suas previsões eram totalmente enganadas.

 

Substituindo os sextantes usados por navios no mundo todo, o GPS tinha sido originalmente desenvolvido e implementado para uso militar.

 

Mesmo depois de aprovado o seu uso por civis e no público, houve um tempo em que foi usada a disponibilidade seletiva, intencionalmente diminuindo a precisão. O GPS era eficaz demais, e precisava-se tomar cuidado para casos de seu uso por terroristas ou facções inimigas.

 

Por outro lado, usar o GPS significava vigilância via GPS, e aqueles que querem evitar isso estão desenvolvendo seus próprios satélites de posicionamento, tais como o “Galileo” da União Europeia, e o “GLONASS” da Rússia.



 

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Uma importante parte dos satélites de GPS é que são necessários múltiplos satélites para cobrir toda a Terra o tempo todo. Isso se deve ao fato de que são necessários um mínimo de quatro satélites para o posicionamento. Em geral, esses satélites são arranjados de forma que este requerimento seja cumprido em todas as regiões do planeta. Essa coleção de satélites GPS que cobre toda a Terra representa a rede de satélites.

 

Para utilizar esse alcance global, os Estados Unidos adicionaram a capacidade de um sistema de comunicação militar nos seus novos satélites GPS. Como parte de um esforço internacional  secreto, a JASDF recebeu permissão para usar os satélites e suas capacidades de transmissão para o programa Q-X. Os EUA oferecem os satélites, a JASDF desenvolve tecnologias práticas - uma colaboração tecnológica militar mútua. Tecnologias usadas no programa Q-X seriam oferecidas aos EUA, e ficou decidido que a depender de seu desempenho, o Q-X seria comprado e usado nas forças armadas americanas.

 

Primeiramente, com a liderança da JASDF, uma central de transmissão foi criada na Estação Espacial Internacional para focar na direção de canais de comunicação ideais dos satélites GPS em constante movimento. Devido a isso, a rede de satélites em órbita média foi otimizada, e atrasos devidos à distância ou à mudança de um satélite para outro eram suprimidos em um tempo fixo.

 

Porém, isso não era o suficiente. À medida que o Q-X ganhava manobrabilidade cada vez mais alta, os atrasos começaram a se tornar grandes problemas.



 

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De certa forma, o Q-X como uma aeronave tinha desempenho bom demais.

 

Tendo sido desenhado como um CCV, o Q-X possui mobilidade superior aos caças atuais, o que tornava os planos originais de operá-los remotamente pouco práticos. Mesmo sem atrasos nos controles, fazer manobras complicadas por controle remoto era difícil.

 

A Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes aumentou o desempenho do computador de bordo do Q-X e tentou cobrir suas fraquezas melhorando o sistema de controle autônomo. Ainda assim, haviam limites para o software de controle, e mesmo usando computadores modernos de alta performance, o controle autônomo do Q-X não era satisfatório.

 

Além disso, melhorar os controles autônomos significava que a aeronave não respondia de forma precisa aos controles do operador. Considerações foram feitas em torno de eliminar o uso dos satélites GPS para aumentar a responsividade, mas isto era claramente pôr o carro na frente dos bois.

 

As melhorias ao controle autônomo do Q-X estavam no seu limite. As capacidades da rede também estavam no seu limite. Dessa forma, melhorar o controle dos pilotos era a única opção.

 

A Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes havia encontrado uma solução.

 

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O responsável pelo desenvolvimento da ASF-X era o Major General Sato. Formalmente, havia uma ênfase em estar presente no programa de desenvolvimento em pessoa.



 

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Entretanto, o verdadeiro líder do programa ASF-X não era o Major General Sato.

 

Isso se deve ao fato de que, infelizmente, o dinheiro faz o mundo girar. Na verdade, um burocrata de nome Zaitsu, que supervisionava o orçamento, tinha mais controle sobre as decisões finais do que o major general. Acima dele, havia mais um burocrata - este que controlava o orçamento do país inteiro.

 

“Quero que o ASF-X seja testado num DACT.”

 

“...agora?”

 

“Sim. Quero que aconteça imediatamente.”

 

Esta não era a primeira vez que Zaitsu fazia um pedido excessivo e irracional, mas era pior do que nas vezes anteriores. De início, apenas uma aeronave ASF-X existia, que era uma plataforma de testes aerodinâmicos e não conseguiria tomar parte em DACT ou qualquer outro tipo de exercício de combate. O ASF-X que estava em posse do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste foi produzido exclusivamente para pesquisa, e não era um protótipo para o F-3, o verdadeiro ASF (Advanced Support Fighter*). Era uma aeronave de testes, imprópria para o combate.

 

*Advanced Support Fighter - caça de suporte avançado.

 

Porém, era bem sabido que Zaitsu não era o tipo de pessoa que escutaria qualquer coisa a respeito disso ser impossível. Ignorando estas preocupações, parecia que uma demonstração das capacidades de combate do ASF-X num treino de combate aéreo já havia sido aprovada, por pura conveniência política.

 

A primeira coisa que veio à cabeça foi o mesmo treino de combate ao qual o Q-X foi submetido. Se o Q-X fez, o ASF-X pode fazer também - essa era provavelmente a mentalidade por trás dessas intenções.



 

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Vamos ter que escolher o que dizer cuidadosamente e ganhar tempo de forma indireta. Sato e Zaitsu se conheciam há muito tempo, o que o havia acostumado a isso.

 

“O ASF-X não completou nenhum teste diretamente relacionado a situações de combate. Ainda por cima, só temos uma aeronave para testes, e há preocupações a respeito de colocá-la em risco numa situação de treino em combate. Caso ocorra alguma situação improvável e haja danos ao nosso avião, será um atraso enorme nos esforços de desenvolvimento.”

 

Zaitsu suspirou forte.

 

“Eu sei que a Zero Um já fez testes de disparo com armas. A propósito, não sei se você sabe, mas as Indústrias Pesadas Taiga vão lançar a Zero Dois já totalmente equipado em alguns dias, antes do previsto. Com dois protótipos, dá para formar um elemento e treinos de combate, e até mesmo simular uma batalha real. Não tem problema.”

 

Se o Zaitsu falou “não tem problema”, agora não tem volta.

 

Mas isso ainda era impossível.

 

O primeiro ASF-X, o Zero Um, está sendo usado para testar os efeitos, no voo e na detectabilidade, de instalar armamento sob as asas, abrir e fechar as baías de armas e lançar mísseis e bombas. Não é como um teste de armas normal. O Zero Um nem tem sistemas de controle de armas.



 

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Mesmo com o lançamento de uma aeronave totalmente equipada, ainda se trata de um protótipo. O equipamento que o avião carrega ainda é experimental e precisa ser testado. Conduzir um treino de combate do nada está fora de questão. Além disso, embora as duas se chamem ASF-X, o Zero Um é um modelo CTOL*,  enquanto o Zero Dois foi construído com capacidades STOVL*. Há várias diferenças entre os dois, e embora pareçam idênticos no papel e a olho nu, especialistas dizem que são completamente diferentes.

 

Naturalmente, formar um elemento com essas duas aeronaves não poderia ser recomendado.

 

“Podemos ter um pouco de tempo para testar o segundo avião brevemente? Também temos que treinar voo em formação.”

 

Zaitsu disse “Hmm” enquanto sua expressão sugeria que ele estava realmente pensando.

 

“Considerando que o Zero Dois têm capacidades STOVL, imagino que os pilotos vão precisar de treino… Tudo bem. Mas não espere nada mais do que um ou dois meses para isso. Eu tenho minha posição também, você sabe.

 

Ele conseguiu ao menos um mês de tempo, mas quando pensou como iria explicar esse plano louco para a equipe de desenvolvimento, sua cabeça ficou pesada.

 

O escritório do Major General Sato era no prédio central do Ministério da Defesa, na região de Ichigaya do bairro de Shinjuku em Tóquio. Ele raramente aparece em pessoa no Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste. Porém, neste caso, dar estas ordens sem se encontrar diretamente com o Major Mishima provavelmente não terminaria bem.

 

Sato parou Zaitsu, que se levantava.

 

“Espere um pouco. Me perdoe, mas há algo que preciso confirmar.”



 

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“E isso seria?”

 

“Diga-me. Quais serão os parceiros do Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste?”

 

Zaitsu finalmente percebeu que não o havia informado de seu oponente no treino de combate.

 

“A Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes. Nós faremos com que o ASF-X derrote o Q-X.”

 

“Vamos fazer isso envolvendo dois protótipos ainda em desenvolvimento?!”

 

“Exatamente.”

 

A expressão do Major General Sato mudou totalmente. Zaitsu hesitou. Ele nunca tinha visto Sato transtornado dessa forma.

 

“Tem algo de errado?”

 

“Tem tudo de errado. Se dois protótipos ainda sob desenvolvimento competem diretamente um contra o outro, isso quer dizer que existem circunstâncias quem significam ou a vida ou a morte de um dos programas, certo?”

 

“Você pensa rápido. É isso mesmo.”

 

A expressão do Major General Sato ficou ainda mais consternada.

 

“Você soube do DACT entre o Q-X e o F-2 que ocorreu há alguns dias? O Q-X ganhou de lavada. Isso é um problema enorme.”


 

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Sato não fez mais perguntas, então Zaitsu continuou.

 

“Pensa nisso. Isso é prova de que o Q-X pode ser usado como caça. Não tem como os outros caças não serem afetados.”

 

“Você não quer dizer que o ASF-X vai ser descartado e o Q-X pode ser adotado como o ASF, certo?”

 

Imaginando ter entendido o pensamento de Sato, Zaitsu começou a rir. Inicialmente, ele estava hesitante por não entender o motivo da ira de Sato. Zaitsu não compreendia o significado militar ou o sentimento de serviço e profissionalismo por trás de um caça de última geração. Incapaz de entender quaisquer valores que não os seus, Zaitsu imaginou que Sato tinha medo de perder sua posição.

 

“Não se preocupe, não é para tanto. O programa ASF-X é enorme. Nunca será cancelado.”

 

Para Zaitsu, o que importava não era o ASF-X, mas sim o ASF-X como um projeto. Mesmo que o avião fosse um lixo, ele não o abandonaria de forma alguma. Ele daria um propósito de existência para o lixo e manteria as coisas se movendo.



 

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“Mas olha, se o Q-X puder ser usado como caça de suporte, provavelmente haverão discussões a respeito de adotá-lo em alguns esquadrões. Aquela coisa é ridiculamente barata, e números enormes podem ser acumulados. Nenhuma morte por acidente. Quando alguém morre, é semente de problema. E nesse aspecto, isso com certeza afetará a procura pelo F-3. Numa indústria onde gente morre, 100 ou 200 não dá. Nós temos que provar que o ASF-X é muito, muito mais útil que o Q-X.”

 

“Mas isso é perigoso. Francamente, o ASF-X não está em condições de lutar. Lançar um avião incompleto só vai mostrar mais as capacidades do Q-X.”

 

Dessa vez, o tom de Zaitsu ficou mais duro.

 

“Essa desculpa não vai rolar. Isso é um desafio do projeto Q-X. Se você se recusar, sua honra será arruinada. Vença a qualquer custo.”

 

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Nivelando depois de um mergulho supersônico, Zero Um fez a transição para modo supercruise.*

 

*supercruise - cruzeiro supersônico sem a necessidade de pós-combustores

 

Do T-4, Sonoda viu Zero Um estender a distância num piscar de olhos. Nessa situação, não havia necessidade de um observador. Dentro da JASDF, o único avião capaz de seguir a ASF-X no supercruise era o F-15J.

 

As fotografias aéreas seriam continuadas pelos T-4s do Asano e do Oose, que estavam esperando mais à frente.


 

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Durante o cruzeiro de alta velocidade, as extremidades da asa principal se inclinam a 45°, substancialmente diminuindo a área da asa e reduzindo a resistência do ar. Ao fazer isso, a estabilidade em manobras puramente horizontais diminuía, o que era corrigido fazendo com que os estabilizadores traseiros mudassem seu ângulo de inclinação.

 

Os ângulos ideais para as extremidades das asas e os estabilizadores verticais eram determinadas por uma simulação computadorizada, mas a sua eficácia não poderia ser verdadeiramente definida a não ser que o avião voasse de verdade. Sempre aparecem problemas durante o vôo, e é para isso que o Esquadrão Conjunto de Avaliações de Teste existe.

 

Não há solução fácil, já que as asas principais e traseiras estão em constante movimento. Obviamente, as características de voo antes e depois da mudança dos ângulos das asas são bem diferentes. O ASF-X, dotado de um complexo sistema de asas de geometria variável, sempre sofre mudanças drásticas nas características de voo toda vez que as asas mudam de posição.

 

A depender das condições das asas de geometria variável, altitude e velocidade, os controles se sentem bastante diferentes… ou ao menos deviam.

 

Na verdade, os computadores corrigem tudo de forma gradual, e não importando de que forma se altere as configurações de asas e estabilizadores, não se percebe muito a diferença nos controles enquanto se manobra. Em termos extremos, pode-se dizer que o ASF-X muda de direção no nível exato de aplicação de movimento no manche, e muda de velocidade no nível exato de aplicação do acelerador.

 

Geralmente, é mais fácil lidar com um avião que mantém suas características de controle à medida que as condições de voo mudam. Por isso, os aviões possuíam formas diferentes de conseguir isto no passado.

 

Por exemplo, o Tipo Naval 0* (conhecido simplesmente como “Zero”), o principal caça da Marinha Imperial Japonesa na Segunda Guerra Mundial, usava materiais de grande elasticidade propositalmente nos cabos de controle. Quando a força do vento pressionava as superfícies de controle, os cabos esticavam, permitindo que as superfícies de controle se movessem menos do que o comando equivalente. Desta forma, a efetividade dos controles se mantinha a mesma, até mesmo em altas velocidades.

 

*NT - formalmente, o Caça Naval Tipo Zero Embarcado em Porta-Aviões, ou Mitsubishi A6M.



 

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Porém, se as características de controle são “planas”, como Asano havia notado, é difícil de determinar os limites da aeronave. Um mecanismo que desse algum tipo de resposta se uma manobra próxima dos limites fosse executada provavelmente seria implementado no futuro. Este mecanismo deveria mudar os controles para que ficassem mais difíceis de usar quando se chegasse perto dos limites.

 

O problema é que este tipo de sistema de resposta não indica as verdadeiras condições de voo, mas sim o que os projetistas determinam como ideal. Não haverá respostas para controles dados como aceitáveis. Enquanto o computador determinar que há a possibilidade de voo estável, a resposta dos controles permaneceria a mesma.

 

Mesmo que um pedaço da asa se separe da ASF-X, há a probabilidade de que o piloto nem note que algo aconteceu se estiver nivelado. Os pilotos de teste sentiam que o avião não oferecia resistência, e deixava algo a desejar quando controlado.

 

Sonoda, que tinha experiência voando aeronaves pequenas de motor a pistão, se sentia desconfortável no ASF-X. Para esses aviões a hélice, até mesmo um adesivo grande na asa fazia uma diferença nos controles.

 

A jovem Nagase, porém, voa o ASF-X se divertindo. Asano, assim como Nagase, controlava o ASF-X melhor que Sonoda.



 

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Vocês são com certeza uma nova geração de pilotos, ele pensou.

 

Sonoda não era nem acostumado a voar aviões a hélice monomotores, mas se sentia desconfortável como um piloto da era a jato. Se estivesse vivo na época da Segunda Guerra Mundial, essa sensação certamente seria natural. Ainda mais no passado, usar velocímetros e altímetros para pilotos que voavam sentindo o vento na cara provavelmente causaria esse mesmo desconforto.

 

Como um ancestral uma vez disse, “O fluxo de um rio nunca muda, mas a água que por uma vez passou nunca passará de novo”*.

 

*Frase creditada a Kamo no Choumei, no livro Houjouki (Relatos da minha cabana) - embora haja referências a Heráclito, filósofo grego.

 

Pensando nisso, Sonoda sentiu vontade de suspirar.

 

“Tô ficando velho…”

 

“Descente, não entendi, repita!”

 

Ao ouvir a voz preocupada do operador, Sonoda notou que tinha falado em voz alta.

 

“Foi mal, estava falando sozinho.”

 

Ele ouviu o operador suspirar, aliviado.

 

Como será a geração de pilotos da Nagase? Ficarão eles em frente de um monitor, pilotando seus caças com um controle? Ele lembrou de ver vários recrutas totalmente envolvidos no videogame chamado “Ace Combat” durante os intervalos.

 

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Com quatro Q-Xs alinhados no hangar, era um pouco assustador.

 

Isso se devia ao fato de que a pintura de baixa visibilidade, com sua superfície superior em azul escuro que lembrava o oceano e a parte inferior azul cinzenta eram cores apropriadas para o Q-X, que na luz fraca parecia um dragão abrindo suas asas.

 

São pequenos se comparados a caças tripulados, mas ainda têm o porte de uma aeronave leve. Suas asas eram longas, o que os fazia parecer maiores a depender da direção que eram vistos.

 

Os desenhistas do Q-X estão trabalhando num desenho aerodinâmico agressivo, diferente da ideia por trás do ASF-X. Só de olhar para a fuselagem, que possui envergadura duas vezes maior que o comprimento total da aeronave, é difícil de acreditar que se trate de um avião supersônico.

 

Outro ponto importante é o pequeno tamanho dessa fuselagem. As várias forças que agem num avião mudam a depender do seu tamanho, mas o material utilizado nele é sempre o mesmo, então há vantagens e desvantagens no desenho a depender do tamanho.

 

O fato de que se trata de um UAV indica o último aspecto de seu desenho agressivo.

 

Embora o hangar fosse escuro, Togura, ainda usando seus óculos de sol, mexeu na sua barba com a mão esquerda e apontou para a aeronave mais distante de si com sua bengala, chamando a atenção de Sagi para ela.

 

“O extra que fizeram pra cumprir o pedido de uma formação de quatro aviões acabou de chegar. Já amanhã estará sendo testado.”



 

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“Temos operadores o suficiente?”

 

“Usando uma formação de quatro, o Kelley consegue sozinho sem problema. A partir da minha análise, ainda com nossos controles atuais, uma formação de 16 aviões é possível. Porém, em casos nos quais tenhamos que utilizar mais de quatro aviões, seria ideal aumentar o número de controles só por garantia.”

 

“Mas com quatro em formação, é lindo de se ver. Estou ansioso para quando eles forem produzidos em massa, e todos se alinharem.”

 

Togura se virou para encarar Sagi e se apoiou na sua bengala.

 

“Vou te falar uma coisa: esses protótipos de terceira geração, por ora, são derivados do desenho da segunda geração. Os produzidos em massa não vão sair barato assim.”

 

A capacidade de ser produzido em massa é uma vantagem do Q-X. Eles deveriam ser baratos, pensou Sagi, mas não havia necessidade de irritar o Togura, que explicava tudo de bom grado. Além disso, o que ele queria dizer com “barato” provavelmente não era a respeito dos custos unitários.

 

Se bem que ter um item de alta procura que mobiliza muito dinheiro daria a eles maior influência. Para Sagi, o fato de que o custo unitário do Q-X sobe apenas baseado nas suas capacidades deveria ser algo para se comemorar.

 

“Olha, eu não sou nenhum especialista em desenho aeronáutico, só mexo em alguns detalhes. Mas esse de terceira geração é feio. Deviam mudar algo nisso.”

 

Verdade. O PhD do Togura é em engenharia de sistemas, não aerodinâmica.

 

Porém, desde que o Togura se envolveu no projeto ano passado, o Q-X mudou de forma drástica. Para Sagi, supervisor do Projeto Q-X do Ministério da Defesa, era um golpe de sorte.



 

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Tudo começou quando Togura, um professor visitante de uma universidade nacional, vendeu um novo sistema de controle de aeronave que ele havia inventado através de conexões com um dos membros da equipe de desenvolvimento. Depois da derrota total contra os F-2s no exercício de combate, a Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes, sob pressão para revisar o sistema, pulou de cabeça na proposta do Togura.

 

Depois disso, Togura mandava em tudo.

 

Só de bater o olho no desenho do Q-X e nos planos de desenvolvimento, Togura apontou as áreas que precisavam de melhoramentos. As coisas que ele dizia eram assustadoramente apropriadas, e as capacidades do protótipo, assim como a produtividade, aumentaram de forma drástica.

 

Mesmo assim, a mudança mais significativa foi na modificação do sistema de controle.

 

O sistema de controle que o Togura inventou não tinha precedentes.

 

Pode-se até dizer que era um sistema revolucionário, que mudava totalmente o conceito de controlar um avião.

 

Com um sistema de comando fora do comum e os melhoramentos no sistema de controle autônomo trabalhando lado a lado, o Q-X evoluiu de uma plataforma de reconhecimento à distância com capacidade de ataque para um sofisticado caça de suporte.

 

Suas capacidades eram mais do que suficientes para elevar ainda mais as ambições de Sagi.

 

“Depois que o segundo ASF-X for concluído, temos planos de realizar treinos de combate usando o Q-X. O que você acha?”

 

Togura corrigiu sua postura.



 

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“O ASF-X é sem dúvida um caça impressionante, mas no fim das contas é só outro F-2. O mérito estratégico do Q-X com capacidade de manobra em combate aéreo já foi confirmado. Os sistemas de controle de nova geração com certeza continuarão a ser desenvolvidos e permanecerão.”

 

“Não, eu quero saber se dá pra vencer o ASF-X em um embate 2 contra 2 ou 2 contra 4. É essa a pergunta.”

 

Togura tinha uma expressão estranha em seu rosto, e encarou Sagi.

 

“Se não dá pra ganhar com os mesmos números, dobre-os. Se ainda assim não der, quadruplique. É assim que o Q-X opera.”

 

“Você não está entendendo. Isso é uma batalha para determinar qual dos dois é mais competente como um caça. Se não der pra ganhar com quatro de nós contra dois deles, o ASF-X é superior.”

 

O objetivo de Sagi era tomar posse do orçamento do programa ASF-X.

 

Aqueles com mais dinheiro têm maior influência e autoridade. Atualmente, o chefe do imenso projeto ASF-X é Zaitsu, e o caminho para a posição de Vice-Ministro da Defesa pende pesadamente a seu favor.

 

Com a introdução de Togura, uma chance de mudar essa relação de poder emergiu.

 

“Se o formato do exercício for o mesmo do que com os F-2s, o Q-X pode vencer a ASF-X com os mesmos números. Nós desenvolvemos uma tática para usar a manobrabilidade sem precedentes do Q-X em nossa vantagem. Aqueles que não entenderem e tentarem combater-nos usando táticas convencionais estarão em desvantagem. Não é algo que dê pra se compensar com desempenho individual.”



 

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Depois de responder com uma expressão estupefata, Togura se virou.

 

“Você tem confiança?”

 

“Tenho. Mas desse jeito ganhar não tem sentido. Se você quer mesmo comparar o Q-X e o ASF-X, a gente tem que arrancar aquele lixo do ASF-X e colocar no lugar um sistema de controle igual ao do Q-X .”

 

“Lixo…?”

 

“Pilotos frágeis incapazes de reagir imediatamente.”

 

Togura virou-se e respondeu.

 

Há quatro anos, com o sucesso do FFRS*, um modelo melhorado do sistema de observação remoto da JSDF, a Força Aérea criou um plano para distinguir sua aeronave não tripulada de reconhecimento de nova geração do FFRS. Esta nova aeronave deveria ser capaz de voar longas distâncias e possuir um alto grau de versatilidade. Foi para esse plano que o Q-X fora criado.

*FFRS - Flying Forward Reconnaissance System (sistema voador de reconhecimento avançado)

 

Como um projeto, era algo pequeno, impossível de comparar com o projeto ASF. Até mesmo agora, a diferença entre os dois se encontrava na casa de dois dígitos. Porém, aqueles envolvidos no desenvolvimento estavam transbordando de ambição. Talvez um pouco demais.

 

O Q-X é capaz de voo supersônico devido ao seu motor a jato de baixa passagem, e ao mesmo tempo tinha um desenho altamente eficiente utilizando uma envergadura longa e razão de aspecto alta. De certa forma, era um desenho contraditório que tentava fundir duas aeronaves de reconhecimento com velocidades máximas extremamente diferentes, mas devido aos avanços na ciência dos materiais e à sua natureza como veículo não tripulado, era capaz de tornar isso realidade diminuindo o seu tamanho.



 

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Para aumentar a manobrabilidade, ficou decidido que as asas seriam de um tipo flexível do meio até as pontas como no ASF-X, mas as duas eram muito diferentes.

 

O mais provável era que os projetistas tivessem ficado descuidados com a liberdade que tinham devido ao projeto ser não tripulado. O protótipo finalizado tinha uma aparência deveras grotesca, mas possuía mobilidade acrobática inacreditável. A sua aparência tornava difícil de acreditar que era capaz de evadir detecção por radar.

 

Com um sistema de controle incompleto e mobilidade extrema, o Q-X de primeira geração era difícil de controlar, e no fim, os três protótipos foram perdidos em acidentes.

 

Porém, não havia dúvida de que a performance do Q-X era sem precedentes. Os protótipos de segunda geração foram feitos utilizando a experiência e o know-how obtidos dos anteriores. O desenho do Q-X era radical e inovador, mas a configuração era feita com base em métodos existentes e testados, o que permitia produzir os protótipos em pouco tempo e a baixo custo.

 

Com a instalação de uma tecnologia de voo autônomo estável, o protótipo de segunda geração obteve grande sucesso.

 

Até ser testado contra caças em combate aéreo.

 

Embora tivesse manobrabilidade superior, só isso não bastava para fazê-lo útil em combate.



 

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O Q-X tinha um perfil de radar menor também, e era esperado que obtivesse boas estatísticas de combate utilizando mísseis ar-ar de ponta que “acertariam o alvo, não importando aonde fossem apontados”. Porém, havia um erro grande nesse pensamento. Não foi contabilizada a diferença de desempenho em combate de uma aeronave tripulada e não tripulada.

 

De qualquer forma, aeronaves não tripuladas militares têm uma história longa se comparadas a aeronaves militares em geral.

 

15 anos após o primeiro voo dos irmãos Wright, os Estados Unidos completaram a construção do “Kettering Bug”, uma aeronave não tripulada experimental para uso durante a Primeira Guerra Mundial, em 1918. O Kettering Bug carregava uma bomba de 180 libras (82 kg) e usava um controle automatizado deveras sofisticado para sua época, voando para a área alvo e explodindo (seria mais tarde erroneamente denominado como “torpedo aéreo”).

 

O projeto Kettering Bug terminou sem ser utilizado em combate, mas esse tipo de aeronave não tripulada evoluiu e se tornou vastamente utilizada na forma de mísseis de cruzeiro - na Segunda Guerra Mundial, o lendário Fieseler Fi 103, mais conhecida como V1, motorizado a pulso-jato, foi utilizado em massa.

 

Todavia, ao invés de simplesmente entrar na zona alvo e explodir, uma aeronave não tripulada que continuasse voando e fizesse reconhecimento necessitava de um sistema de controle muito mais complexo, e demorou muito tempo para que uma dessas se tornasse prática. Similarmente, mesmo quando mísseis que eram capazes de derrubar outras aeronaves foram disponibilizados, não foi fácil criar um UAV que pudesse unilateralmente derrubar aeronaves inimigas.

 

O motivo se deve à necessidade de, tanto para reconhecimento como para combate, possuir-se uma capacidade de decisão.


 

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O problema era ou fazer com que o drone tomasse decisões remotamente, ou tornar decisões parte do sistema em si. O erro do Q-X de segunda geração foi ter diminuído a importância do tomar de decisões em combate aéreo e confiar demais nas capacidades dos mísseis.

 

O problema com o tomar de decisões via controle remoto poderia ser localizado nas dificuldades de comandar os drones.

 

Cada Q-X é um sistema deveras avançado, mas individualmente as aeronaves são isoladas por conta de limites na velocidade de transmissão. Controlar cada avião minuciosamente não era possível com a atual tecnologia de operação remota. Era uma situação similar à diferença entre um oficial subordinado comandando suas tropas “no grito” e um general de alta patente comandando uma unidade via rádio - os comandos são diferentes a depender do escopo.

 

O problema agora era como transmitir a informação que o Q-X absorvia para o operador e como refletir as decisões do operador no movimento do Q-X.

 

Tudo isso fora resolvido pelo gênio do Togura.

 

Engenharia de sistemas ainda era uma ciência recente na sociedade moderna.

 

Nos dias de hoje, tudo fica mais complicado, e à medida que cada disciplina se especializa em campos mais focados, há uma necessidade de conectar todos os diferentes campos. O método pelo qual tudo era compreendido como um sistema único começou a ser pesquisado profissionalmente.

 

Por exemplo, tornou-se essencial para planos de negócios que todos os aspectos fossem matematicamente otimizados via pesquisa de operações. Em outra instância, devido ao advento do campo da cibernética, o conceito de feedback saiu do escopo da engenharia e agora é aplicado em todos os campos. Gerenciamento de sistemas se tornou uma necessidade em todas as áreas da sociedade, e até mesmo no Japão, acadêmicos com doutorado em pesquisa de análise de confiabilidade de sistemas emergiram.


 

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Togura é um pesquisador de inteligência artificial, mas ao invés de fazer pesquisas investigativas em hardware e software, ele decidiu se ater a pesquisar o todo como um sistema.

 

Ao olhar para o progresso da engenharia de eletrônicos, ciência médica, e biologia na mesma geração, ele desistiu de tentar desenvolver “inteligência” em sua geração.

 

A pesquisa de Togura não dizia respeito à inteligência artificial em si, mas focava na aparência de um sistema controlado por inteligência e como seria se este fosse artificialmente gerenciado. Foi aí que um robô de desempenho sofrível se mostrou, e tentou vender seu sistema de controle.


 

Esse robô de desempenho sofrível era o Q-X.


 

Togura usou sua maneira de pensar única, proveniente de seu campo de estudo, para sobrepujar e dominar os membros da Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes.

 

Agora, o Q-X era praticamente dele.

Exercício

​Página 80

 

O segundo modelo do ASF-X, “Zero Dois”, foi entregue ao Esquadrão Conjunto de Testes e Avaliação por meio de vias marítimas e terrestres.

 

Ao contrário do primeiro modelo, ao invés de passar um ano em testes nas Indústrias Pesadas Taiga antes de ser entregue à JASDF, o segundo modelo apenas passou por dois meses de teste. O principal ponto de venda deste modelo era a capacidade STOVL*, mas cabia à JASDF testar e avaliar tais capacidades. Era diametralmente oposta ao primeiro modelo, que não possuía envolvimento nenhum do Ministério da Defesa.

 

*STOVL - Short Take-Off, Vertical Landing (decolagem em pista curta, pouso vertical)

 

Formalmente, o segundo modelo pertencerá à JASDF, mas na verdade, é um protótipo de testes para a JMSDF* com intenção de ser operado a partir de porta-aviões.

 

*JMSDF - Japan Maritime Self-Defense Force (Força Marítima de Autodefesa Japonesa)

 

Já que era a única que fazia parte do Esquadrão Conjunto de Testes e Avaliação proveniente da JMSDF, Nagase achava que o segundo avião era dela. Adicionalmente, os únicos que tinham experiência com pouso e decolagem na vertical eram ela mesma e Asano, que eram pilotos de helicóptero qualificados.

 

Nagase, que não planejava deixar nenhuma outra pessoa pilotar o segundo avião, ficou chocada quando ouviu que Asano era capaz de pilotar helicópteros.

 

Sem dúvidas, durante o tempo dos dois no 306º Esquadrão em Komatsu, Asano era incapaz de pilotar um helicóptero. Como ele adquiriu tal habilidade do nada era um mistério.


 

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À medida que o sol se punha e escurecia, Nagase subiu no telhado do dormitório e percebeu que já havia alguém lá.

 

“Asano?”

 

Asano se virou e acenou, depois retornou seus olhos para o céu.

 

“Olhando estrelas?”

 

“É.”

 

“Treinando a visão, por acaso?”

 

Asano tinha uma expressão levemente surpresa, e devolveu a pergunta.

 

“Não, eu só estava a fim de olhar as estrelas. Por que é que você achou que era treino?”

 

“Eu li num livro que pilotos de caça antigamente ficavam olhando para o céu durante o dia e procurando estrelas como forma de treinamento para a acuidade visual.”

 

“É isso que você veio fazer?”

 

Mesmo após persistir por mais de um mês, Nagase não conseguiu localizar nenhuma estrela antes do pôr do sol.

 

“Agora eu só faço de noite. Eu não desisti de fazer durante o dia, é só que eu fico entediada olhando pro céu azul.”

 

“Não se tem marcadores durante o dia, então você precisa de conhecimento e preparação.”

 

Em outras palavras, Asano possui esse conhecimento. Para a Nagase, isso era meio irritante.



 

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Enquanto os dois conversavam, o céu rapidamente escureceu.

 

Nagase apontou para uma seção do céu.

 

“Aquela constelação é Órion, não é? Já ouviu falar? Tem três estrelas fracas no meio do arranjo retangular.”

 

“Você quer dizer a Espada de Órion? A estrela do meio não é uma estrela, é a Nebulosa de Órion, M42. É a nebulosa difusa mais brilhante do céu.”

 

Tendo ouvido que se tratava da “mais brilhante”, a Nagase sentiu como se sua grandiosa descoberta tivesse sido tornada trivial.

 

“Você diz que é a mais brilhante, mas só entre as nebulosas, né?”

 

“Exato. M42 na Espada de Órion e Iota de Órion tem uma magnitude de 3, mas tem estrelas bem mais brilhantes na constelação, então o fato de que elas não se destacam é bem esperado.”

 

“É difícil até de ver estrelas de magnitude 3 no Japão!”

 

“Se você vai procurar estrelas mais fracas, você devia usar um mapa estelar. Procurá-las sem saber suas localizações é difícil.”

 

“Eu não quero ouvir isso de um cara que só fica olhando pra elas a esmo.”

 

Nagase estava irritada, mas também aliviada. Ela tinha aprendido que Asano tinha emoções o suficiente para ser capaz de irritar alguém.

 

Sabendo ele dos pensamentos dela ou não, ele parou de olhar para o céu e franziu a testa ao olhar para o seu relógio de pulso.

 

“O que foi?”



 

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“Chegou a hora.”

 

Asano apontou para o canto sudoeste do céu.

 

Nagase focou sua visão e embora o céu ainda estivesse claro, um ponto luminoso apareceu. Estava se movendo para nordeste. Após passar por cima, o ponto desapareceu.

 

“N-não é uma estrela cadente, né?”

 

“É a ISS-II, a atual Estação Espacial Internacional.”

 

Até mesmo a Nagase estava levemente abalada.

 

“Eu não fazia ideia que era assim tão brilhante…”

 

“Só quando dá pra ver. Algumas condições fazem com que ela seja mais comumente invisível a olho nu mesmo que passe diretamente sobre você. Agora mesmo, ela passou para além do horizonte, então você não conseguiu ver, não foi?”

 

Depois de dizer isso, Asano começou a caminhar em direção às escadas, deixando Nagasa para trás.

 

“Espera aí!”

 

Assustado com o repentino tom mais duro, ele parou e virou-se.

 

“Vamos fazer um desafio pessoal. Com o Shinden II.”

 

Asano, de tão confuso, ficou boquiaberto.



 

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“Como é?”

 

“Zero Dois já chegou, nós temos duas aeronaves. Durante o exercício de combate, vamos descobrir quem tem mais habilidade com o ASF-X.”

 

“Isso não teria significado algum. Você não ouviu os engenheiros das Indústrias Taiga falando que as duas são diferentes? De qualquer forma, elas são aeronaves de teste. Mesmo num exercício, não faz sentido.”

 

“Tá tentando fugir, é?”

 

“Só estou dizendo que não tem sentido. Eles provavelmente não vão deixar duas de suas preciosas aeronaves de teste voar ao mesmo tempo.”

 

Asano começou a andar em direção às escadas.

 

“Você não vai fugir.”

 

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Contrariando a previsão de Asano, os voos simultâneos do Zero Dois e do Zero Um começaram imediatamente.

 

Isso se devia ao fato de que para acompanhar e conseguir filmagens aéreas dp ASF-X, só o próprio ASF-X era capaz de completar esta tarefa.

 

Ao menos, essa era a explicação dada. O treinamento para voos em formação das duas aeronaves começou.

 

“Aqui é Edge. Aster, se tiver combustível de sobra, quer se divertir um pouco na volta?”

 

Antigamente, na era onde os voos de teste eram feitos com mais leniência, dizia-se que os pilotos de teste se enfrentavam em exercícios de combate secretos e não autorizados sem o conhecimento da torre de controle.



 

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Porém, quem respondeu ao convite de Nagase não foi Asano, mas sim Mishima.

 

“Edge, eu vou deixar você participar de jogos de guerra num futuro próximo, então tenha paciência por hoje.”

 

Oose, que monitorava tudo do centro de controle, ficou chocado ao ouvir o que Mishima dizia.

 

“Você vai permitir que eles duelem?”

 

“Aham.”

 

Oose cruzou os braços e inclinou a cabeça.

 

“Falando nisso, desde que o Zero Dois foi entregue, a Nagase e o Asano tiveram mais voos que o normal. Você estava planejando mandá-los ao exercício de combate desde o início?”

 

“É bem por aí mesmo. Mas o objetivo não é uma competição interna. A necessidade de treinar um elemento apareceu de repente. Foi mal, mas a Nagase e o Asano são pilotos de primeira. Você e o Sonoda são a segunda linha.”

 

“Como assim? Não entendi.”

 

Surpreendentemente, Mishima relaxou seus ombros.

 

“Eu vou ter que explicar no debriefing de hoje. Isso é culpa da Nagase. Pra falar a verdade, a pedido do QG, foi decidido que nós enfrentaremos o Q-X num exercício de combate. E não temos muito tempo.”

 

“A… pedido?”

 

“É.”



 

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“O Q-X tem experiência com incontáveis exercícios de combate. Já até ganhou da F-2, agorinha. O que a gente tem são aeronaves de teste para o programa ASF, ao menos por agora. Nem dá pra chamar de incompleto.”

 

Se foi uma ordem, havia uma chance de levantar uma razão válida e vetá-la. Oose trazia uma razão fantástica. Mas já que a tarefa não tinha razão, ela foi apresentada como um “pedido”.

 

O problema era que esse “pedido” não dava escolha para o Esquadrão Conjunto de Teste e Avaliação.

 

“Eu já dei uma olhada nisso, mas tem gente envolvida no Q-X que não gosta nem um pouquinho do projeto ASF. Se a gente recusar, a situação só piora.”

 

Uma expressão consternada seria apropriada, mas os dois começaram a rir.

 

“Se é a Nagase, vai que dá certo.”

 

“O Asano vai participar também.”

 

O treino de voo em formação da Zero Dois com a Zero Um foi acelerado e feito cuidadosamente.

 

O Zero Dois, um tipo STOVL*, tinha uma fuselagem muito mais leve que o Zero Um, e isso criava vários limites nele que o Zero Um não tinha. A respeito disso, ele possuía mais equipamento focado em armamento, e o peso total era superior ao do Zero Um. Adicionalmente, as características aerodinâmicas das duas aeronaves são iguais, mas o método de operação é bem trabalhoso.

 

*STOVL - Short Take-Off, Vertical Landing (decolagem em pista curta, pouso na vertical)

 

À medida que os pilotos de teste e pessoal da engenharia usavam o Zero Dois, eles começaram a achar que a maioria desses limites se devia a precauções excessivas, mas para provar isso, se precisava de muito mais dados de voo. Por ora, esses limites precisavam ser seguidos.



 

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O Zero Dois tinha outro aspecto que dificultava sua operação.

 

Os novos limites FBL (fly-by-light) eram preparados para responder diretamente ao sistema de controle, mas era um sistema inadequado e interferia muito com o que os pilotos sentiam nos controles. Era até compreensível, sendo que se tratava de um protótipo, mas entre os membros do esquadrão que tinham expectativas altas para o Zero Dois, era um grande desapontamento.

 

A Nagase e os outros escreveram um monte de relatórios de reclamação e os enviaram para as Indústrias Pesadas Taiga como uma forma de mostrar este sentimento.

 

Além disso, tinha outra coisa que irritava a Nagase de forma pessoal.

 

O Asano pilotava o Zero Dois exatamente como fazia com o Zero Um, como se não houvessem diferenças ou problemas.

 

“Cara, que bizarro. Ele tem um computador na cabeça ou o que?”

 

Numa tarde, ela finalmente levantou a questão na sala de descanço.

 

“Bem, o Asano mesmo tem uma resposta tão padrão que é bem capaz dele não conseguir determinar o desempenho da ASF-X.”

 

Sonoda concordou, sorrindo. Ele era um desses que não conseguia se acostumar com o Zero Dois, mas olhando tudo de forma objetiva, ele sentia que a Nagase estava mais pro Asano do que para ele em termos de habilidade.

 

O negócio era que olhando pra Nagase tanto dentro quanto fora do cockpit, o quanto ela forçava a si mesma ficava óbvio. Ela se movia sem motivo demais, e não era algo que fosse digno de elogios.



 

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Do outro lado, era impossível determinar o grau de dificuldade ou as condições diferentes com base na pilotagem do Asano. Era sempre a mesma cara azeda e o voo consistentemente estável. Não havia variação. Disso, ninguém fazia ideia se o Zero Dois era boa ou ruim.

 

Contudo, essa monotonia não era totalmente horrível.

 

Originalmente, o sistema de restrição de voo do ASF-X foi criado usando cálculos computadorizados sobre dados aerodinâmicos previstos. Isso ainda estava incompleto, o que tornava a pilotagem muito instável, mas toda vez que o Asano pilotava o Zero Dois, o sistema por qualquer motivo que fosse estabilizava.

 

Em outras palavras, o Asano estava corrigindo os erros do modelo de voo do computador em tempo real durante o voo. As habilidades dele podem exceder a do computador.

 

Naquele exato momento, Asano apareceu.

 

“Asano, como é que que você tá controlando aquela coisa?”

 

“Como assim?”

 

“Como é que você pilota o Zero Dois do mesmo jeito que pilota o Zero Um?”

 

A cara do Asano indicava que ele só estava mais e mais confuso.

 

“As características de voo das duas são basicamente as mesmas, então eu as piloto da mesma forma.”



 

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“As mesmas uma ova! O feedback do Zero Dois é uma droga.”

 

“Ah, aquilo? Quando eu percebi que estava incompleto, eu ignorei.”

 

Ao ouvir isso, Oose fechou as mãos, punho na palma.

 

“Entendi. Tem muita força no manche, mas você se vira bem.”

 

Nagase franziu a testa.

 

“Opa, não vá entendendo as coisas sozinho. Eu não entendi nada do que esse cara acabou de falar.”

 

Acenando com a cabeça, Oose começou sua explicação.

 

“O feedback do Zero Dois para o sistema de controle é indicado por quanta força você coloca no manche e no acelerador. A resposta da aeronave a comandos é a mesma do Zero Um. Tudo o que muda é o quão difícil é mexer nos controles.”

 

Nagase e Sonoda ficaram boquiabertos.

 

“Só isso?”

 

Nagase perguntou ainda mais ao Asano.

 

“Se você percebeu isso, não era melhor ter falado com todo mundo imediatamente? Ou você não se tocou que todos nós estávamos tendo problemas?”



 

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Asano franziu a testa e respondeu.

 

“Percebendo ou não, vocês deveriam saber desde o começo que o sistema de feedback só entra em ação para impedir que você exerça a fuselagem de modo indevido. O que vocês reclamaram, na verdade, é que o manche é difícil de se mexer quando se fazem movimentos sutis.”

 

Fazer movimentos sutis era o equivalente a dizer que, para um pequeno movimento, haveria uma grande resposta e movimento da aeronave. O sistema de feedback indicava isso fazendo o manche ficar pesado.

 

A raiva da Nagase se virou então para as Indústrias Pesadas Taiga.

 

“Você é burro ou o que? Qual é o motivo por trás de se endurecer os controles quando se quer mover de forma precisa? Não tem pra que ter feedback a não ser que você possa pilotar sem fazer ajuste nenhum. É horrível.”

 

Dessa vez, o Asano se surpreendeu.

 

“Verdade. É péssimo ter um feedback que responde da mesma forma a pequenos movimentos e controles perigosos. Eu não devia ter ignorado isso e fingido se tratar de um sistema incompleto.”

 

Sonoda sentiu como se houvesse percebido a falha de Asano.

 

Ele era inteligente e adaptável demais. A sua resposta rápida a variadas situações acabava por atrapalhar a identificação de problemas.



 

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Ao perceber que o Zero Dois podia ser pilotada da mesma forma que o Zero Um se as características do manche e acelerador fossem ignoradas, a operação dos outros três pilotos melhorou consideravelmente. Os pilotos do Esquadrão Conjunto de Teste e Avaliação eram os melhores dos melhores. Eles foram capazes de se adaptar à resposta complexa do Zero Dois da mesma forma que se adaptaram ao Zero Um, que não respondia de forma nenhuma.

 

Controlar o avião dessa forma tornava aparente que a resposta do manche tomada a partir do limite preestabelecido era excessiva pela maior parte. Ao perceber isso, Nagase e Oose  adicionaram essa nota aos seus relatórios com prazer.

 

Assim que os testes de desempenho do Zero Dois foram completados, tanto Zero Um e Zero Dois foram desarmados e levados de volta por pilotos de teste das Indústrias Pesadas Taiga.

 

Depois que as inspeções gerais das duas aeronaves ASF-X forem terminadas, o Zero Um seria equipada com o mesmo sistema de controle do Zero Dois, e outras melhorias que a tornariam um modelo completo de decolagem e pouso convencional.

 

“A respeito disso, tem um problema meio complicado.”

 

A expressão de Mishima ao dizer isso era azeda.

 

“As duas aeronaves vão receber um sistema de controle melhorado. Isso inclui as respostas no manche que a Nagase propôs.”

 

Oose levantou a mão e fez uma pergunta.

 

“Em outras palavras, isso significa que as características de controle da aeronave vão mudar? Tipo como o antigo Zero Dois tinha um manche pesado, só que com extras.”



 

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“Por aí.”

 

Nagase não estava feliz.

 

“Ah, que saco. Especialmente agora.”

 

“Não diga isso. O desenvolvimento é justamente para ajustar as coisas e criar um sistema fácil de usar.”

 

Mishima limpou a garganta e avisou a todos.

 

“Infelizmente, não é tudo na boa assim, que nem o Sonoda disse. Daqui a duas semanas, basicamente cinco dias depois que as duas voltarem, nós temos que nos acostumar a formações de combate.”

 

Uma agitação generalizada tomou conta dos pilotos e engenheiros.

 

“Em outras palavras… daqui a duas semanas a gente vai de cara contra o Q-X no exercício de combate pilotando aviões com características de controle basicamente desconhecidas?”

 

Mishima acenou, silenciosamente, em resposta a Sonoda. Isso era um problema que precedia a finalização do ASF-X.

 

Dessa vez, Asano levantou a mão.

 

“Não importando quais as circunstâncias, isso é uma péssima situação. É muito estranho.”

 

“Nós sabemos.”

 

“As Indústrias Pesadas Taiga estão cientes do exercício de combate?”

 

Mishima respondeu “claro que sabem” mas nesse ponto a expressão dele mudou. Nesse momento, ele percebeu que estava prestes a dizer que um gerente das Indústrias Pesadas Taiga que veio para uma reunião foi requisitado, sem explicação, a diminuir o tempo das inspeções.



 

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Não havia dúvidas de que o período de inspeções foi encurtado para acomodar o exercício de combate contra o Q-X. O cara das Indústrias Pesadas Taiga não fazia ideia do que estava acontecendo.

 

Por que?

 

Pode ser que haja uma oportunidade de negociar com as Indústrias Pesadas Taiga.

 

“Sobre o sistema de controle, nós vamos conversar com as Indústrias Pesadas Taiga. Por ora, o treinamento para o exercício de combate será iniciado com os T-4s. Se a Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes cooperar, a gente pode adicionar os dados do Q-X no simulador do ASF-X e treinar desse jeito. O tempo é curto, mas vamos fazer o possível.”

 

Os elementos foram formados e o treinamento para voos em formação e manobras de combate usando os T-4s começou.

 

Nagase queria competir contra o Asano, e parecia irritada quando o esquadrão foi dividido em duas equipes: Nagase/Asano e Sonoda/Oose.

 

Os quatro eram excelentes pilotos, e não haveriam problemas em voos de formação enquanto eles estivessem nos T-4s.

 

Mishima nunca disse que a melhor equipe participaria no exercício de combate. Ele deixou claro a priori que a Nagase e o Asano seriam enviados para o exercício de combate, e instruiu Sonoda e Oose a pesquisar o Q-X sob a premissa de agirem como agressores.

 

Porém, havia um problema que persistia devido à divisão de equipes.

 

Nagase e Asano tinham excelentes habilidades ao controlar suas aeronaves, mas suas carreiras como pilotos de caça eram curtas e não tinham experiência em exercícios de combate. A Nagase fazia parte da 19ª Força-Tarefa, que possuía uma temida reputação e era chamada de “Jyu-ku”, mas não tinha nenhuma experiência de DACT*.

 

* DACT - Dissimilar Air Combat Training (Treino de Combate Aéreo Dissimilar)



 

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Parecia um pouco tarde, mas Mishima precisava confirmar os seus sensos de combate.

 

E finalmente, a Nagase poderia tomar parte num exercício de combate contra o Asano.

 

“Não tem problema nenhum jogar a Nagase e o Asano um contra o outro assim do nada?”

 

Sonoda expressou sua dúvida francamente de sua cadeira na sala de briefing.

 

“Eu acho que seria uma boa ideia deixar que um de nós com mais experiência em exercícios de combate treinar com eles ao menos uma vez, para que eles tenham ao menos um pouco de experiência.”

 

Mas não havia nada que se podia fazer agora se um deles quisesse participar do exercício de combate. Se alguém quisesse, seria como levar uma reclamação ao Mishima.

 

Em resposta, Mishima explicou que isso se tratava de “um exercício de combate para o exercício de combate” nos T-4s.

 

“O objetivo principal disso é preparar mentalmente a Nagase e o Asano para que eles respondam prontamente num exercício de combate. Ao obter experiência contra um oponente, eles com certeza aprenderão uma coisa ou outra a respeito um do outro.”

 

A Nagase estava determinada a dar uma lição no Asano.

 

O T-4 era um avião de treino e não tinha quaisquer armamento. Não se precisa de armas num exercício de combate, mas sem um sistema de controle de armas, um verdadeiro exercício de combate simulando o uso de armamento não pode ser conduzido. Aqui, teremos um jogo de pega-pega com aviões. Os dois são o “pega” e quem ficar mais tempo atrás do outro ganha.



 

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O combate aéreo é coloquialmente apelidado de “dogfight”, em referência a uma comparação a dois cães correndo atrás do rabo um do outro numa briga. O exercício de combate nos T-4s é uma “briga de cachorro” tradicional.

 

No combate aéreo moderno, não há garantias de que alguém não será derrotado se o inimigo não conseguir ficar atrás dele, mas para comparar as habilidades de dois pilotos, é certamente apropriado.

 

Os quatro T-4s decolaram, com Nagase e Asano no papel de combatentes e Oose e Sonoda encarregados da filmagem.

 

Mishima confiava nas habilidades dos quatro pilotos e colocou algumas mínimas restrições para prevenir ações perigosas, mas declarou que basicamente valia tudo. Mesmo com um espaço aéreo de exercício em vigor, conseguir permissões para voo não era fácil.

 

À medida que o exercício começou, Nagase e Asano começaram a acelerar ao mesmo tempo.

 

Nenhum dos dois tentou desacelerar. Mesmo que isso colocasse quem o fizesse atrás do outro, perder velocidade e manobrar permitiria que o outro escapasse de seu perseguidor.

 

Obter a vantagem com energia. Isso foi estabelecido na era a jato como uma parte fundamental do combate aéreo.

 

Converta precisamente sua energia cinética e potencial para que a energia total da aeronave não se perca.



 

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Mergulhe para acelerar rapidamente. Suba quando estiver desacelerando, para recuperar altitude e reacelerar. Estas eram táticas utilizadas sem muito conhecimento desde que o combate aéreo começou, na Primeira Guerra Mundial. Quando a era a jato chegou e a energia que os aviões possuíam aumentou, voar pensando no nível de energia se tornou crucial.

 

Um piloto que não entende a regra fundamental de ter mais energia por vezes faz manobras que desperdiçam altitude e velocidade ao mesmo tempo. Dessa forma, o jato sem energia é presa fácil para o inimigo.

 

Nagase sabia dessa regra fundamental, mas não tinha paciência alguma.

 

Ela aumentou sua altitude e desacelerou embora tivesse espaço para acelerar, e tentou se posicionar atrás do Asano.

 

Asano por sua vez diminuiu sua altitude e fez uma curva aberta, mantendo o momento da aceleração, e subiu para ficar atrás da Nagase. Ela, então, fez um loop alto e mudou de direção.

 

Porém, a Nagase perdeu o Asano de vista ao fazer essa complexa sequência de manobras.

 

“Que merda!”

 

Para recuperar o contato visual, ela tentou manter o Asano fora dos pontos cegos do avião, mas não funcionou. Mesmo com um cockpit transparente, se o alvo passa bem em cima da cabeça do piloto, fica difícil de mantê-lo em vista.

 

Sabendo estar fora da visão de Nagase ou não, dessa vez Asano virou rapidamente para ficar na frente dela, e então subiu para perder velocidade e ficar atrás dela.



 

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A voz de Mishima soou pelo rádio.

 

“Edge, Aster está na suas seis. Se você não conseguir se livrar dele, você perde.”

 

Ao olhar para trás, ela viu Asano se aproximar cada vez mais.

 

Nagase tentou se livrar do Asano forçando curvas para os dois lados, mas não deu certo. Asano lia os movimentos dela, e ao fazer curvas leves, evitava a perda de energia.

 

“Edge, chega. Hoje foi um teste preliminar. Todos vocês, voltem para a base.”

 

Nagase estava tão frustrada que quase rachou os dentes, de tão forte que os cerrou.

 

Dominar o combate aéreo significa se aproveitar de uma chance num instante. Nagase não continuou a perder.

 

Eles jogaram pega-pega oito vezes, e ela ficou atrás do Asano em duas ocasiões. Ela perdeu quatro vezes, e as outras duas foram empates técnicos.

 

Entretanto, nessas quatro derrotas, ela tecnicamente se livrou de seu perseguidor.

 

Ela sentiu a asa perder sustentação um pouco durante uma curva na qual o ângulo de ataque era excessivo, então levantou o nariz enquanto rolava para colocar o T-4 num superestol, perdendo muita velocidade e se livrando do Asano ao conseguir tal façanha. Quando ela chegou na base, portanto, recebeu um belo puxão de orelha do Mishima.

 

Isso pois Nagase fez era uma manobra estúpida que não era recomendada nem para as mais avançadas aeronaves, e era extremamente perigosa para o T-4.



 

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Se a gravação do T-4 ignorando as leis da aerodinâmica e girando feito pião sem nenhuma preocupação com a direção na qual estava indo fosse mostrada sem explicação, seria vista exclusivamente como um avião prestes a ir de cara no chão.

 

A oitava batalha entre Nagase e Asano terminou empatada.

 

“A partir dos voos de hoje, estaremos concluindo os exercícios de combate usando o T-4. Parece que tanto a Nagase quanto o Asano agora conseguem responder direito a uma simulação de combate.”

 

Mishima percebeu que a Nagase estava de punhos cerrados.

 

“Nagase, por algum acaso você está frustrada por ter mais derrotas que vitórias?”

 

“Claro.”

 

“Eu disse isso antes, mas o exercício de combate no T-4 não é uma competição pra ver quem é o melhor. É pra que vocês se acostumem com o formato de um exercício de combate. É bem diferente de uma situação de combate verdadeira. Você pode pensar na pontuação como algo secundário, por diversão.”

 

Ao ouvir que era por diversão, Nagase se frustrou ainda mais.

 

“Acabou a brincadeira. Amanhã, o ASF-X volta.”

 

Só se passou uma semana desde que eles voltaram para as Indústrias Pesadas Taiga.

 

“Não é meio antes do prazo?”

 

“Quando nós falamos do exercício de combate contra o Q-X, eles concordaram com nossas demandas excessivas. É bom que as expectativas sejam cumpridas.”



 

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Quando o Mishima contatou as Indústrias Pesadas Taiga, ele descobriu que o gerente que servia de intermediário para o Esquadrão Conjunto de Teste e Avaliação não sabia nada sobre o exercício de combate com o Q-X.

 

Isso era inimaginável.

 

Surpreso, o gerente perguntou a seus superiores, e descobriu que a maioria dos departamentos das Indústrias Pesadas Taiga sabiam do exercício de combate, o que o surpreendeu ainda mais.

 

Havia muita informação relacionada a segredos do Ministério da Defesa no desenvolvimento da ASF-X, mas devido à irritante necessidade de preservar tais segredos, a comunicação entre as divisões envolvidas era péssima, o que se devia a discrepâncias na comunicação.

 

Os ASF-Xs que voltaram das Indústrias Pesadas Taiga foram completadas de tal forma que até mesmo a Nagase e os outros estavam felizes.

 

Os sistemas de controle, que preocupavam a todos, tiveram suas modificações seguradas para algo mais moderado, e foram ajustadas para se equivaler ao nível do Zero um, que era o que os pilotos estavam mais acostumados. Era um ajuste feito tendo em mente o exercício de combate, que se aproximava.

 

A pedido do Ministério da Defesa, os sistemas de controle de armas e fly-by-light* receberam novos simuladores, para uso no exercício de combate.

 

*Fly-by-light - o equivalente ao fly-by-wire (movimentos da aeronave controlados por computador e não diretamente nos cabos hidráulicos) utilizando fibra óptica

 

Isso não era algo providenciado exclusivamente para o exercício de combate contra o Q-X, mas sim um sistema que recebeu pesados investimentos do Ministério da Defesa para desenvolver e treinar pilotos em novas aeronaves, inclusive o ASF-X.

 

O simulador interfere com o sistema de controle de armas e envia o status de armas equipadas para o centro de controle, e ao combinar isto com os dados de voo do transponder, o supercomputador do centro de controle recria a trajetória de mísseis e bombas num espaço virtual. Ele é configurado para determinar acertos de armas com nível incrível de precisão.



 

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Mas isso não é tudo. Se o ASF-X for detectado como tendo sido atingido, o computador calcula quais partes foram danificadas e qual é a extensão dos danos, e interfere com o sistema de fly-by-light para dar uma resposta realista aos controles. Obviamente, não há como simular anomalias aerodinâmicas como resultado de explosão, mas tornou possível recriar danos como falha numa superfície de controle e outras situações anormais com muita segurança.

 

Infelizmente, não sobrou nenhum F-2 para servir de mula, e a não ser por aeronaves puramente experimentais, o ASF-X será a primeira a receber este sistema.

 

As Indústrias Pesadas Taiga foram contra instalar um sistema que interferisse com os controles, mas o Ministério da Defesa estava confiante e determinado a testá-lo no ASF-X a qualquer custo. Se for bem na prática no ASF-X, poderia ser instalado em qualquer aeronave utilizada pelas Forças de Autodefesa - presentes ou futuras. Isso poderia aumentar a eficácia dos treinos de combate de forma explosiva no futuro.

 

Quando os ASF-Xs voltaram, a Nagase estava louca para pedir um exercício de combate contra o Asano nelas, mas devido à proximidade do exercício com o Q-X, o pedido foi negado.

 

Até mesmo voos de teste programados para continuar o desenvolvimento foram adiados para que a Nagase e o Asano pudessem receber treinamento especial.

 

Para aumentar a sua proficiência, voos no ASF-X foram restritos à Nagase e ao Asano. Oose e Sonoda só voavam quando os outros dois estavam de folga.

 

Zero Um e Zero dois, embora chamadas ambas de ASF-X, foram feitos como tipos de aeronave diferentes. Embora fosse pouco comum, Mishima deu à Nagase e ao Asano um avião para que melhorassem suas habilidades num curto período de tempo.



 

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O Zero Um ficou nas mãos do Asano, que era piloto da Força Aérea, e o Zero Dois ficou com a Nagase, que era da Marinha. Mishima então ordenou que os dois se acostumassem às suas respectivas capacidades de controle.

 

“Major Mishima, como vai a preparação para o exercício de combate?”

 

“Como pode ver, não há tempo o suficiente, major brigadeiro. Se você está se referindo ao tempo dado a nós, tanto os aviões quanto os pilotos estão indo muito bem. O Zero Dois não teve problema algum dos esperados de um protótipo. É difícil de imaginar que seja o primeiro tipo STOVL, dado o seu desempenho.”

 

“Perdoe-me o incômodo, mas esse exercício de combate está sendo um problema sério. Devido às circunstâncias, se o ASF-X perder feio, o programa de desenvolvimento em si pode sofrer as consequências.”

 

“Já que não temos dados sobre como o Q-X opera, não podemos imaginar uma tática de contra-ataque. Mas mesmo nesta situação, se o oponente fosse um F-2 ou até mesmo um F-15J, eu diria que não há motivo para preocupação.”

 

“Ótimo. Mas não force demais a barra. Não há substitutos para os aviões ou os pilotos.”

 

“Ouvi rumores de que o programa Q-X está indo muito bem. Eu não acredito que qualquer um dos lados seria afetado tanto assim caso ganhem ou percam.”

 

“Mas há um cara no lado inimigo para o qual não podemos demonstrar qualquer fraqueza.”

 

“Inimigo, né?”

 

“Se perdermos, discutiremos. Por precaução, eu andei fazendo preparativos do nosso lado. Apenas garanta a segurança dos aviões e dos pilotos. Se qualquer um dos dois tiver problemas, o desenvolvimento sofrerá.”



 

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No Japão, fazer testes de armas “vivas” em território nacional era algo inimaginável.

 

O grupo da Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes que subiu no teto de um prédio na base foi então lembrado da vastidão do território dos Estados Unidos.

 

Não havia lugar algum no Japão onde todo o terreno era plano, em qualquer direção, até o horizonte. Ao olhar com mais proximidade, havia uma cadeia de montanhas a oeste, mas já que estava distante, parecia um horizonte.

 

“Aqui não é meio perigoso, não?”

 

“Tem sempre a chance de que algo vá cair nas nossas cabeças, mas aqui é o melhor lugar.”

 

O oficial americano no corrimão apontou e gritou “ESTÃO DECOLANDO!”

 

Pessoas de ambos os países se juntaram ao redor do oficial, aglomerando-se no gradil, e olharam para a pista.

 

Nela, se encontram quatro Q-Xs alinhados com seus motores ligados. A maioria deles confundiu o taxiar dos drones para a pista e o seu alinhar como um procedimento de decolagem.

 

À medida que os oficiais da Força Aérea dos Estados Unidos olharam com interesse, eles começaram a decolar em ordem, com o primeiro tomando a liderança.

 

“E eles fazem isso tudo sozinhos?”

 

O pessoal da Ala de Desenvolvimento Aéreo e Testes respondeu de forma amigável à pergunta do oficial de alta patente estadunidense.

 

Os controles do Q-X são totalmente semi-autônomos. A ordem e o tempo entre as decolagens são programados pelo operador, mas os ajustes de motor e controles são determinados de forma automatizada.



 

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“Pelo jeito, ainda faz tudo assim como o comandado.”

 

Após terem decolado e formado no ar, os Q-Xs entraram numa formação que lembrava um diamante com um dos vértices apontando para a frente. Parece bem comum, mas criar esta formação com aviões a jato é surpreendentemente difícil. A distância entre cada avião era muito pequena, e dava para perceber que o controle do Q-X era extremamente avançado só de olhar.

 

Os Q-Xs, ainda em formação diamante, fizeram uma curva e um loop vertical. O seu vôo magnífico mais que compensava a aparência grotesca.

 

Os americanos faziam festa.

 

“Voos acrobáticos em formação também são possíveis, mas isso não é o nosso atual objetivo, então vamos para o evento principal.”

 

“Sim. Nosso operador deve estar ficando impaciente.”

 

Um caça a jato rapidamente mergulhou dos céus.

 

É uma aeronave não tripulada, usada como alvo pelas forças americanas.

 

Na verdade, era um jato antigo convertido para controle remoto, e embora não se comparasse aos caças modernos, era um avião de verdade, que tinha se envolvido em combate nas linhas de frente no passado.

 

“Nosso operador está a fim de fazer todo mundo chorar. Por favor, façam o melhor que puderem e não chorem. Dito isso, comece!”



 

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No momento em que o General McMillan anunciou o começo do exercício, o avião alvo acendeu seus motores e ativou seus pós-combustores. Agora com muito mais potência, o avião alvo quebrou a barreira do som quase imediatamente.

 

Por ter sido convertido em um drone, ele perdeu alguns equipamentos desnecessários e ficou mais leve e mais manobrável.

 

“Só vai durar dez minutos. Vocês não vão ficar nessa sacanagem de esperar até acabar o combustível, né?”

 

“Tem certeza de que podemos usar armas vivas?”

 

“Mas é claro! Nossos caras estão bem mais interessados nos mísseis japoneses do que no Q-X, pra falar a verdade.”

 

“Se é assim, prepare-se para ficar desapontado.”

 

De repente, Togura entrou na conversa.

 

O General se assustou de leve ao ver Togura, mas rapidamente se recompôs.

 

“Como assim, eu ficarei desapontado?”

 

“Hmm. Eu disse pro Kelley…, pro operador do Q-X, que ele não precisava usar os mísseis.”

 

Enquanto eles falavam, os Q-Xs subiram rapidamente, ainda em formação diamante, e ganharam altitude o suficiente para não serem vistos a olho nu. Ao alcançar altitude, eles se espalharam em quatro direções e desceram reto, entrando em voo supersônico.



 

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Os Q-Xs fizeram uma manobra estranha ao alcançarem cerca de 2000 m para nivelar, e então ativaram os pós-combustores. O motor do Q-X é um turbofan convencional, então sem eles não é possível voar acima da barreira do som.

 

Em voo supersônico em baixa altitude, os drones se aproximaram um do outro lançando anéis de fumaça branca. De forma precisa, os quatro Q-Xs cercaram o avião alvo.

 

Mesmo os quatro sendo supersônicos, o Q-X era bem mais rápido e era capaz de vencer utilizando sua manobrabilidade muito superior.

 

A velocidade supersônica do avião alvo não significava nada contra o Q-X. Não havia tempo para desviar, e dados alguns segundos, os quatro atravessariam por cima e por baixo do alvo de quatro direções diferentes a velocidade supersônica.

 

Atingida com quatro ondas de choque em rápida sucessão, o avião alvo deslizou para um lado e perdeu altitude, mas conseguiu por pouco recuperar o controle.

 

Porém, já não estava mais rápido que o som.

 

“Hmm. Isso requer muita habilidade.”

 

Togura parecia genuinamente fascinado com o fato de que o avião alvo não caiu.

 

Antes que alguém percebesse, os Q-Xs formaram na frente do alvo e depois de se espalharem, dois drones de cada lado vieram diretamente de frente para o avião alvo. Os Q-Xs atiraram suas metralhadoras de 12.7mm e fuzilaram o alvo. A direção do ataque foi considerada para que as linhas de tiro não apontassem para a base, mas ninguém percebeu.

 

O motivo pelo qual o avião alvo tomou tiros de todos os quatro Q-Xs não se devia ao fato de que ele era capaz de resistir a tal dano, mas sim que era mais rápido estraçalhá-lo no ar do que esperar que ele caísse.

 

 

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O avião alvo, soltando fumaça preta, caiu no deserto.

 

Quando os observadores olharam para cima, os Q-Xs já estavam voando em formação diamante sobre a base, fazendo grandes curvas para desenhar um grande círculo.

 

O General McMillan suava frio.

 

“...fantástico, eu devia te dizer. Isso foi mesmo semi-autônomo?”

 

Togura também olhou para os Q-Xs no céu.

 

“Provavelmente, no futuro será 100% automático. Mas infelizmente, esse tipo de eletrônicos de alta performance não existe ainda. A realidade é que atualmente, nosso “cérebro” é só uma massa de proteína que fica aí, incapaz de usar todo o seu potencial. Foi como o planejado, mas comparado ao duelo contra o F-2, o alvo não respondia a nada. A capacidade de aviões pilotados é formidável.”

 

O General esperava que isso pudesse continuar por toda a eternidade.

 

Ao mesmo tempo, era difícil acreditar que um humano controlava essas manobras. Se fosse um piloto a bordo, não haveria jeito de se mover daquela forma.

 

“A resposta foi muito rápida. Ainda mais para uma rede de satélites!”

 

“Exato. Isso também foi uma demonstração das capacidades da rede. O operador do Q-X está no Japão.”

 

Quando o Togura disse isso, os americanos ficaram inquietos.



 

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Os EUA parcialmente desenvolveram esse temível sistema de controle. A rede de satélites necessária para o controle era a mesma providenciada pelos Estados Unidos.

 

O Q-X era um programa conjunto extraoficial entre dois países. Se o Departamento de Defesa estiver satisfeito com o desempenho, o Q-X pode até ser adotado pelos EUA. Enquanto eles tivessem visto a demonstração de hoje e não houvessem problemas críticos escondidos, os burocratas pulariam de cabeça no Q-X.

 

Porém, o General McMillan tinha dúvidas e medo a respeito de utilizar esse drone para a força aérea de seu país.

 

Oficialmente, várias cópias do vídeo documentando o combate entre os Q-Xs e o avião alvo foram feitas, e postas sob sigilo.

 

Mas, devido ao trabalho de um traidor, durante o processo de cópia, uma versão adicional foi feita sem o conhecimento dos outros. Esta cópia foi posta sob o controle de alguém que trabalhava para o governo de outro país, e foi levada para fora dos Estados Unidos.

 

As capacidades de combate do Q-X foram vistas com uma enorme reação no país dessa pessoa.

 

Mas uma coisa sobre o Q-X as incomodava.

 

Eles não possuíam o Q-X sob seu comando.

Acidente
 

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Treinamento de Combate Aéreo, o qual simula um confronto de verdade, é abreviado como ACT*.

 

Porém ao adicionar o D de dissimilar, o evento é abreviado como DACT* e o combate fica mais realista. Isso é porque num combate real,  “o inimigo” voa e usa táticas diferentes dos aliados.

 

O TCA que acontece num mesmo esquadrão está propenso a resultar em um mesmo padrão, mas ao treinar com esquadrões com aeronaves diferentes, a proficiência de um esquadrão aumenta drasticamente.

 

Porém há um paradoxo.

 

A fim de medir as competências e habilidades de cada piloto, é necessário compará-los quando as condições são iguais. E se o tipo de aeronave que eles enfrentam é diferente, é extremamente difícil fazer uma comparação justa.

 

Na realidade, um DACT é conduzido com suposições e regras firmes, portanto geralmente os resultados não se igualam aos de um combate real. Em muitos exercícios de treinamento, aeronaves de treinamento já derrubaram caças avançados com tecnologia de ponta.

 

O F-15 tem um histórico formidável de ter derrubado mais de 100 aeronaves em combates reais, com um ou dois F-15 danificados e “talvez” um abatido. Porém, o seu desempenho no TCAD não é tão bom assim. Claramente, não é um acontecimento raro perder para uma aeronave menos potente.>>

 

* ACT - Air Combat Training (Treino de Combate Aéreo)

** DACT - Dissimilar Air Combat Training (Treino de Combate Aéreo Dissimilar)



 

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No combate real, pilotos procuraram as condições mais vantajosas possíveis e então começam a atacar. Pode-se dizer que a capacidade de atingir essas condições é uma medida de desempenho para um jato de combate. No entanto, a realização de exercícios de treinamento nessas condições raramente é necessária.